Sinopse: Ela já foi a vilã que tentou separar o casal principal por solidão e falta de amor. Ela já foi traída pelo casal principal que eram vizinhos e se apaixonaram perdidamente. Ela já foi a amiga parceira da mocinha nerd que se apaixonou pelo popular. Ela já abriu mão de seus romances tantas vezes que até perdera a conta. Agora ela já não tinha o altruísmo de Éponine de Os Miseráveis, nem o sangue frio e a força de Inaura de Lisbela e o Prisioneiro.
Ela, que sempre fora apenas uma linha a mais no romance alheio, uma pedra no caminho do casal principal, agora era uma das partes do casal principal, agora ela é quem sofria possibilidades de ser separada. Ela, que nunca tinha sido a protagonista, chegando aos 26 anos e com apenas um relacionamento duradouro no currículo, não se importa mais em ter uma história de amor.
Bom, não se importava. Até ele chegar.
Gênero: Comédia romântica
Classificação: Não recomendado para menores de 14 anos.
Restrição: .
Beta: Bridget Jones
Prólogo – As histórias de amor que ela não vivia.
Antes de começar meu – nem tão triste, mas – injusto solilóquio, queria deixar claro que essa não é uma história feliz, mas também não é triste. É apenas uma coletânea de acontecimentos que, eventualmente, surgirão na sua vida também e, quando acontecer, provavelmente nem perceberá. Você vai até se identificar. Todo mundo, em algum momento da vida, acaba identificando-se com a solidão.
Não se preocupe. Eu não vou morrer em um acidente de carro, ou adquirir câncer. Nem mesmo o cara que eu amei morre no final. Também não vou perder a memória ou esbarrar contra um cara super gato em um corredor, apesar de ter conhecido alguns. É possível que você até dê umas risadas, mas não prometo nada. Eu não sou a pessoa mais indicada para falar sobre risos e piadas, visto que meu humor é um pouco… inexistente. Não sou mal-humorada, só não sou o tipo de garota que sai por aí sorrindo para as árvores e dando bom dia ao sol.
Eram dez horas da manhã de uma quinta-feira, quando uma aglomeração no meio da redação do jornal, à beira da falência, em que eu trabalhava acabou tirando minha atenção dos documentos (provavelmente) ilegais que estava lendo. Rian e Lana estavam no centro do local e falavam alto, gesticulando excessivamente. Todos em volta, sedentos por uma fofoca, pararam para vê-los.
A história era a seguinte: Lana, uma das melhores colunistas do Daily, havia aceitado um emprego em outro país, mas também tinha acabado de se entender com Rian após muitos anos de atração, amizade colorida e negação de ambas as partes. Agora, Rian estava no meio de todas as mesas do jornal, fazendo um discurso patético sobre como havia passado por situações mais patéticas ainda para chegar até ali, implorando para que ela ficasse no país, pois ele a amava. Eu não sabia qual merda ele executara, mas sabia que tinha feito alguma coisa e também como iria terminar.
Depois de fazer o famoso “doce”, falando que eles nunca dariam certo, que eram muito diferentes e blá blá blá, ela pularia nos braços dele. Depois trocariam juras de amor, dariam um beijo apaixonado, todos bateriam palmas e eles terminariam juntos, casados e felizes para sempre. Essa é a verdade sobre histórias de amor. Elas existem, não são inventadas em filmes ou livros de Nicholas Sparks, porém, nem sempre existe um “felizes para sempre”.
O que existe é um “felizes até os primeiros seis meses”. No meio do caminho acontece a complicação e pronto, fim do amor eterno. Aí vêm os dois meses de fossa e, então, já é o tempo de sua próxima história de amor começar.
É claro que não quero generalizar. Não quero dizer que o que digo é lei, apenas falo por experiências reais e pessoais. As pessoas têm tendência a achar que histórias de amor são de duas pessoas que vão ficar juntas para sempre, quando na verdade, todos vão ter pelo menos quatro ou cinco histórias de amor na vida, contando com as “não-românticas”.
Dei uma risada de escárnio quando vi Lana pular no colo de Rian, beijando-o, e juntei-me aos colegas do estágio nas palmas.
Eu sabia que ia acabar assim. Estava familiarizada com grandes cenas de demonstração de afeto em público, pois estive presente em algumas delas. Não por acontecerem comigo (nunca aconteceu), mas sim porque eu conhecia pessoas que tinham ótimas histórias de amor.
Eu sempre fui a garota ao lado, a amiga, a conhecida e, pasmem! Já fui até a vilã.
Por onde começar?
Barbara. Era uma garotinha de cabelos loiros que adorava roubar as brincadeiras que eu inventava na pré-escola e fingia que a criação era dela. O garotinho pelo qual eu tinha uma paixonite, cujo nome eu não faço ideia, amava minhas brincadeiras, mas a tal da Barbara acabava levando todo o crédito já que eu era tímida o suficiente para não explanar minhas ideias para os coleguinhas.
E então, para o desespero do meu coração de cinco anos de idade, Barb e o garotinho brincavam juntos de gangorra e também sentavam perto um do outro. Eles também dividiram seus lanches até o oitavo ano.
Pode parecer estúpido, mas essa foi a primeira vez que me senti irrelevante e descartável, mesmo que ainda não soubesse o que essas palavras significavam. E eu me lembro perfeitamente do que senti. Claro que os esqueci uns dias depois e já estava concentrada em algum outro livro inadequado para minha idade ou uma brincadeira de rua perigosa demais, mas eu me lembro.
Amanda foi uma das minhas melhores amigas na escola, estudamos juntas desde o pré. Ela conhecia Barbara, inclusive. Eu devia perguntar a ela sobre o garotinho. Se ela lembrasse nome o dele, bastava uma pesquisa no Facebook para eu descobrir se era o amor da minha vida ou não. Amanda costumava ser bobinha e boazinha demais para seu próprio bem, então acho que eu fui sua única amiga por um bom tempo. Sempre tive um fraco pelos desajustados e oprimidos, afinal.
Eu sempre gostei de estudar, mas não era classificada como nerd. Nos rótulos idiotas que nos eram dados na escola, eu nem era classificada. Sempre fui o tipo de garota que ninguém presta muita atenção e, se for na reunião da turma daqui a alguns anos, provavelmente não vão me deixar entrar por não lembrarem de mim. Talvez nem me convidem.
Aí apareceu Gaston, o garoto popular e boa pinta que todos da escola gostavam e queriam por perto. Ele jogava futebol, tocava violão, tinha um belo corpo e era simpático com todos. Um dia, eles foram obrigados a fazer um trabalho juntos e acabaram se conhecendo melhor. Amanda, óbvio, se apaixonou. Mas Gaston não a via com esses olhos e ela, já apaixonada e querendo impressionar, pediu minha ajuda para mudar o visual e seu jeito meio… Recluso e estranho de ser.
Eu não sou nenhuma profissional de moda, sendo bem adepta ao “confortável antes do agradável”, mas eu sabia que usar saia abaixo dos joelhos com tênis de corrida nunca foram boa opção. Eu também era o que se pode chamar de uma garota com muita atitude. Porém, era tímida demais para que os outros notassem minha irreverência.
Mudança de atitude aqui, roupas melhores ali, bum! Gaston estava apaixonado. Hoje em dia sou profundamente contra alguém mudar seu jeito de ser por outra pessoa mas, naquela situação, eu entendo que foi um pouco necessário. Gaston nunca perceberia que Amanda era mais que notas altas e um cabelo encharcado de creme se ela não se fizesse notável.
A nerd e o popular. Eles formaram um bom casal, um nojo de tão fofos. Eu acabei perdendo o contato com ambos depois que concluímos o colegial, então não sei o que aconteceu para o término deles.
Bom, também houve Peter, meu primeiro namoradinho sério. Eu e Peter vivemos um grande amor, do tipo que me fez pensar que ele seria ‘o cara’, apesar de termos apenas 16 anos. Éramos um ótimo casal, todos tinham inveja de nós. Eu ainda lembro do dia em que ele conheceu Ila. Eles esbarraram-se no corredor da agência de viagens da mãe de Peter.
Bolsa, papéis, celulares, todos voaram pelo ar e as chaves dele acabaram ficando no meio das coisas dela. Lembro dele me contando o acontecido, do pequeno e passageiro aperto que senti em meu peito. Eles acabaram combinando de se encontrar para devolver as chaves e o acaso fez seu trabalho, fazendo-os se encontrarem mais algumas vezes e bum! Adivinha só? Peter estava apaixonado.
Até hoje eu não sei o que aconteceu entre eles dois nessa época, só sei que logo eu fiquei solteira.
Não aceitei bem e fui muito imatura em relação a isso, confesso. Mas como eu disse, só tinha 16 anos e nunca havia gostado tanto de uma pessoa. Tinha quase certeza que Peter era o meu “meant to be” e, desde Amanda (que para mim teve um final feliz, mesmo que hoje ela namore um figurão do ramo farmacêutico), eu estava querendo mesmo ter minha própria história de amor. Então, comecei a fazê-los passar por alguns… Probleminhas. Fiz aquilo que uma vilã de 16 anos de uma novelinha bem ruim pode fazer: beijei Peter quando sabia que Ila estava olhando.
(Um breve parênteses se faz necessário. O plano não teria dado certo se Peter não me beijasse de volta. E ele beijou, então ponto pra mim.)
Foi uma cena e tanto, típica de novela mexicana. Ila chorando e gritando, Peter desesperado, tentando explicar que não era aquilo que ela estava pensando. Aconteceram várias coisas nesse meio tempo, mas no final de tudo, Peter fez uma puta serenata para Ila, com flashmob e tudo, mobilizando quase a cidade inteira. Eu lembro de ver tudo no canto, sentindo-me um lixo. Essa vai ser uma cena recorrente, aliás.
Foi uma época estranha e eu ainda me questiono como fui capaz de fazer tudo isso. Eu não estava pensando muito bem e sinto (muita!) vergonha até hoje. Fiquei enciumada pelo fato de Peter e Ila terem uma história de amor bem legal para contar. Peter foi o primeiro menino de quem eu gostei de verdade e eu não possuía muita facilidade em gostar de pessoas.
Nessa mesma época, minha irmã entrou em um relacionamento com uma garota que costumava odiar e isso me deixou ainda mais chateada. Eu não entendia porque diabos todo mundo possuía uma história de amor ridiculamente clichê e bonita. Não que eu fosse o tipo de garota irrevogavelmente romântica, pois chegava até a ser o contrário, mas eu também não era contra um “amorzinho”.
Eu tenho minhas próprias teorias sobre amor e suas histórias, e acredito veemente nelas.
Porém, ainda não era o fim. Tive um segundo “namorado”, Tom. Quase namorado na verdade, porque nós só ficamos juntos por um tempo, sem realmente termos rotulado algum tipo de relacionamento. Ele era um cara legal, mas não era como se eu fosse louca por ele. Ficamos por alguns meses, até uma garota loira se mudar para casa ao lado da dele. No início, ele reclamava muito dela e vice-versa, mas eles começaram a conversar, se vendo com outros olhos e adivinha? Apaixonados, é claro! Numa noite chuvosa e sem energia, Tom e a garota acabaram beijando-se e dormiram juntos. Alguns dias depois, Tom me contou e disse que não podia mais sair comigo. Sem surpresas, sem mágoa nenhuma. Eu sabia que ele estava gostando dela, percebi assim que começou a falar dela de um jeito diferente.
Atualmente, Tom e a garota moram juntos, têm um cachorro e um Instagram de dar inveja em qualquer solitário.
Carol era uma grande amiga minha da faculdade, eu e ela sempre fazíamos trabalhos juntas. Num dia qualquer, Joseph – um cara lindo demais pra ser real – a chamou para sair. Ele era o cara perfeito com ela, um verdadeiro príncipe e eu, invejosa que sou, comecei a sair com o melhor amigo dele. Nós quatro sempre saímos juntos, até o dia que Carol descobriu, junto com toda a universidade, que Joseph tinha feito uma aposta de que conseguiria pegar a garota que era bonita demais para ser tão quietinha. Você já deve imaginar que, a essa altura do campeonato, Joe já estava perdidamente apaixonado. Ele e Carol enrolaram por um tempo, mas eu já sabia que isso ia acabar em algum discurso público e apaixonado.
Eles completam três anos de namoro na semana que vem. Estou ajudando-a a organizar uma viagem romântica para o Caribe.
Você já assistiu Crazy, Stupid, Love? Sabe a cena em que a Emma Stone entra no bar procurando pelo Ryan Gosling? Ninguém percebe, mas antes dela roubar toda a atenção e beijar o cara, Gosling estava acompanhado de uma garota loira. Ele estava jogando todo o charme Gosling, que eu não sei de onde vem, e simplesmente vai embora com a Stone, sem nem olhar para trás. Na vida, eu sou aquela garota. Tipo, literalmente. Algo semelhante aconteceu comigo. Eu estava em um bar, conversando com um cara e, antes de acontecer qualquer coisa entre nós, antes mesmo dele me pagar uma segunda bebida, uma garota entrou e se declarou para ele em cima de uma mesa, ignorando-me completamente. Todos bateram palmas, alguns filmaram e eu tomei um dos maiores porres da minha vida.
Não era possível! Essa seria a minha sina? Terminar sozinha, sem uma história legal e bonitinha para contar? Talvez.
Haniel.
Haniel foi diferente. Eu o conhecia a muito tempo e nós sempre fomos muito apaixonados um pelo outro. Depois de alguns anos de pura teimosia minha, finalmente ficamos juntos. Ele foi o meu segundo e melhor namorado, até hoje acho que foi o grande amor da minha vida. Éramos muito parecidos e estar com ele sempre foi a melhor coisa do mundo para mim. Ninguém no mundo me conhecia como ele e nós éramos aquele casal que todo mundo deseja ser um dia.
Até que, em um churrasco de aniversário, ele conheceu a prima de um amigo nosso. Ana era o completo oposto de mim e totalmente diferente dele, também. Sorria demais, elitista demais, cabelo liso demais e dentes brancos demais.
É claro que eu, com meu manequim 44, só estou arrumando milhões de defeitos para aquela garota com a cintura fina demais e nariz perfeito. Na verdade, ela era a coisinha mais fofa.
Quando os vi juntos em uma praça da cidade, a nossa praça preferida, no dia do meu aniversário de 20 anos, engatando em uma conversa cheia de olhares prolongados e sorrisinhos tímidos, eu já sentia o que iria nos acontecer. Fechei os olhos e pedi para alguma força superior que ele ainda fosse minha história de amor eterno.
Não era.
Algumas semanas depois, Hani tornou-se distante e quase um desconhecido. Quando ele pediu para conversar, eu chorei como uma criança pois já sabia o que vinha a seguir. Conversamos no chão do meu quarto por horas. Ambos choramos muito nesse dia. Ele disse que sempre me amaria, mas não era mais apaixonado por mim e não se sentia mais confortável em manter um relacionamento comigo enquanto queria estar desesperadamente com outra pessoa.
Não fiquei com raiva dele. Realmente entendi o que ele estava sentindo e aceitei, mas isso não me impediu de passar a noite chorando no colo da minha mãe. Foi nesse dia em que eu aprendi, na prática, o que muita gente já havia dito: às vezes, apenas amor não é o suficiente.
Tinham se passado quase três anos desde meu término com Haniel. Todos nós temos aquela pessoa, que se dissesse “volta”, nós voltaríamos sem pensar duas vezes, certo? Ele era a minha. Sempre foi minha saudade mais doída e o maior amor que eu já senti por alguém que não fosse da minha família. Também foi o único cara para quem eu disse as três palavrinhas.
Desde então, minhas aventuras amorosas não passavam de alguns dias. Às vezes, apenas noites. Agora, a faculdade de jornalismo e o estágio em uma merda de jornal ocupavam a maior parte do meu tempo. As horas vagas, eu passava enlouquecendo com minha melhor amiga, Dana Tomanzio.
Entre toda a confusão que minha vida se tornava algumas vezes, todos os “vai e vens”, todas as pessoas e suas malditas histórias de amor, Dana (que eu chamava carinhosamente de Dizzy) foi a única que continuou ao meu lado.
Incondicionalmente.
Você sabe qual é um dos maiores e mais grotescos erros que uma pessoa comete na vida? Desejar ser adulto enquanto se é criança. Eu fui uma criança “adulta” demais. Aprendi a ler aos três anos de idade, contrariando todas as expectativas. Com dez, já tinha lido e entendido (acho importante frisar isso) o livro Sofies Verden. Com doze anos, decidi o que queria ser quando crescesse. Aos trezes, minha vida inteira já havia sido planejada por mim mesma. Eu seria uma grande jornalista e iria trabalhar no jornal que meu pai costumava ler pela manhã. Eu almejei pela vida adulta.
Imaginava-me andando pelas metrópoles mais importantes, cheia de projetos e contatos, bem encaminhada profissionalmente, com um relacionamento amoroso saudável, cheia de amigos e com sapatos de salto alto. Entretanto, aqui estou eu. Aos vinte e cinco anos, não me considerando nem um pouco adulta, e sentindo como se o mundo inteiro conspirasse contra mim. Quase reprovando em várias matérias na faculdade, completamente perdida no meio de trabalhos e mais trabalhos, provas surpresas e professores indignados com minha falta de responsabilidade. Morava em uma cidade considerada pequena, não tinha nenhum projeto, solteira, apenas uma amiga de verdade e sapatilhas.
A mini-eu de treze anos de idade estaria bastante desapontada, porém, eu atribuo a culpa à Hollywood e seus filmes e séries, que me prepararam para o mundo de um jeito errôneo.
A única parte da minha ilusão de infância que poderia até ser considerada verdade era estar encaminhada na vida. Como eu disse, poderia ser verdade. Eu havia conseguido estágio no Daily, um jornal que recebia tantos empréstimos de políticos que era quase inteiramente financiado por um único partido. Ele era considerado um jornal tendencioso e quase falido.
Eu sobrevivia apenas na esperança de conseguir, algum dia, escrever em alguma coluna. Ir contra o sistema, sabe? Mas o número de decepções que eu tinha a cada reportagem enaltecendo políticos e suas corrupções só aumentava, enquanto minha vontade de ser jornalista e escrever só diminuía. Eles diziam ver grande potencial em mim, então me exploravam usando a desculpa de “me formar como profissional” e coisas do tipo. Eu sabia que estava sendo explorada e que estava sendo responsável por trabalhos variados que não deveriam ser meus, mas necessitava daquele estágio remunerado. Realmente precisava da experiência e, principalmente, do dinheiro. É claro que fui avisada de que as coisas no mercado do meio jornalístico eram meio alienadas e incoerentes, mas também tinha certeza de que o colunista das sextas-feiras pedir para eu aumentar meu decote para lhe dar “inspiração” DEFINITIVAMENTE não era certo.
A verdade é que, no momento, eu tinha mais responsabilidades e problemas que minha sanidade era capaz de aguentar e tudo o que eu queria era tomar uma cerveja. Foi assim, enlouquecendo entre um relatório desnecessário e as secretárias fofoqueiras do editor chefe, que resolvi aceitar o convite de Dizzy para tomar umas em um pequeno clube da cidade.
Dana era uma bela morena de cabelos longos que eu chamava de melhor amiga e apelidei-a de Dizzy. Nos tornamos amigas na escola. Até conhecê-la, nunca imaginei que uma pessoa como eu poderia ser amiga dela, mas também não entendo como não nos tornamos amigas antes. Eu não sei de onde surgiu o apelido. Provavelmente estava bêbada quando o inventei, pois ficava constantemente bêbada no meu último ano na escola. Não, eu não me orgulho disso, mas adolescência é uma fase estranha e as coisas que fazemos nela não podem definir a nossa vida inteira.
Ela era publicitária. Começou a faculdade antes de mim e acabou se formando antes, também. Trabalhava em uma agência publicitária, mas sua beleza, carisma e grande desenvoltura com as mídias a possibilitava a ter várias outras oportunidades de emprego, como trabalhar como modelo, se arriscar como atriz, dançarina. Enfim, Dana era aquela pessoa de mil e uma utilidades que a gente até odeia um pouco, por ser boa em tudo.
Não entendi a urgência dela ao me mandar cinco mensagens seguidas, mas devia imaginar que o final do mês estaria me deixando meio louca, mesmo. Avisou que estava no Carté com uns caras que conheceu e me mandou mais umas quatro mensagens, perguntando onde eu estava logo que confirmei minha presença. Respondi assim que vi o trânsito paralisar a minha frente.
Dana não costumava mais dirigir carros. Depois que bateu em um ciclista no estacionamento de um supermercado, ela ficou meio traumatizada. Vendeu seu carro para mim e comprou uma moto, que estava na avaliação, por isso deduzi que devia estar querendo carona. Só isso explicaria sua insistência.
Batuquei o início de To Love Somebody no volante enquanto olhava o céu chuvoso e nublado formando-se. Como diria minha mãe, estava “branco de chuva”. Suspirei fortemente. Pensar na minha mãe sempre causava um aperto no peito. Eu estava tão cansada e aquela maldita Janis Joplin tocando no rádio só estava me deixando mais deprimida, e minha cabeça parecia prestes a explodir. Passei a mão pelo rosto, pensando em maneiras de espantar a preguiça e a vontade de ir para casa, mas pensei que teria que arranjar um lugar para passar a noite caso Dizzy levasse alguém. Eu não gostava de ficar em casa quando ela fazia sacanagem no quarto ao lado. Quase nunca tínhamos conflitos sobre garotos em casa, até por que nossas vidas sexuais eram bem parecidas.
É claro que estou exagerando. A vida sexual dela definitivamente era mais agitada que a minha. Eu me trancava no quarto ou saía do apartamento quando ela estava com alguém e ela fez o mesmo nas poucas vezes em que eu voltei com alguém de alguma noitada. Dizzy e eu aproveitávamos a vida de jovens solteiras plenamente e, de vez em quando, até dividíamos alguns caras que topavam uma loucura.
Não tínhamos muitas regras sobre morarmos juntas, tudo sempre foi muito natural, na verdade. Dana sempre foi a melhor parte de mim e era muito fácil ser eu mesma com ela.
Nossos pais quase tiveram um ataque cardíaco em conjunto quando decidimos deixar Springfield (Não, não é a mesma dos Simpsons. Se você pesquisar, vai descobrir que existem mais de 100 cidades com o mesmo nome), a cidade que nascemos e fomos criadas, para tentar a vida em Hillswood*, cidade que mais cresceu economicamente nos últimos meses e que era o melhor lugar para se iniciar uma carreira, segundo estudos promovidos pela BBC.
Foi assim que eu decidi que devia ir e morar a quase 3700 km de distância da minha família. Eu e Dizzy já tínhamos tudo tão perfeitamente calculado e pronto que não teve como nossas famílias negarem. Na real, eu acho que estavam mesmo afim de se livrar de nós. Meus pais sempre foram muito conscientes das minhas vontades, que infelizmente não coincidiam com nossas condições. Eles sempre quiseram que eu estudasse em um lugar conceituado, porém, acho que estavam pensando em uma faculdade estadual mesmo, perto de casa. Os pais de Dana já não estavam mais aguentando suas aventuras desnecessárias.
Foi sofrido e doloroso, principalmente pra mim, deixar minha família, mas a necessidade faz a mulher e, nem toda a ansiedade e tristeza me fariam ficar em um lugar em que eu tinha 40% de perspectiva de vida.
Nosso apartamento era um pouco afastado do centro da cidade, localizado em um bairro considerado calmo e “jovial”. Ele tinha dois quartos com um banheiro cada, a sala e cozinha eram um só cômodo, divididos por um balcão, que costumava ser nossa mesa de jantar. A cozinha era pequena, de modo que não cabiam nem três pessoas lá, e a sala era até bem espaçosa, mas nossa mesinha de centro ocupava grande parte dela, o que demonstra que ela talvez não fosse tão espaçosa assim. Os banheiros eram minúsculos, não tínhamos água quente, nossos vizinhos eram meio estranhos, eu demorava 45 minutos para chegar relativamente perto da faculdade, mas era do jeito que eu e Dizzy gostamos e sempre desejamos.
A melhor parte eram as janelas de vidro, gigantes, que tínhamos na sala e que mostravam a vista maravilhosa do centro da cidade. Quando a noite chegava, as luzes dos prédios faziam tudo parecer bonito e calmo, o que nos relaxava quando estávamos enlouquecendo dentro do nosso pequeno universo.
Eu tinha vinte anos quando deixei Jeins, a periferia de Springfield, e me mudei para Hillswood. Não tinha dinheiro e nem esperanças, possuía apenas notas boas e financiamento universitário do governo. Ao contrário de mim, Dana sempre teve boas condições financeiras e, quando cheguei com a ideia de irmos viver em outra cidade, ela concordou em apenas dois minutos de argumentação. Disse que estava mesmo querendo viver uma grande aventura ou algo assim.
No dia eu ri, entretanto, não consegui não pensar que isso era coisa de gente rica, que faz o que quer, na hora que quer, porque tem dinheiro para isso.
Ao contrário do que parece, eu não sou (tão) amargurada, nem invejosa ou coisa assim. Dana também não é uma dondoca endinheirada e mimada. A família não era rica de berço, lutaram para conseguir um bom estilo de vida. Acho que por isso não tive problemas em aceitá-la como amiga, pois ela era uma garota pé no chão e humilde no meio de um bando de pessoas mesquinhas.
Estudei como bolsista em um colégio de classe média alta. Provavelmente era a única da turma que vinha do “lado ruim” da cidade. Eu ignorava quase todos, principalmente os que se achavam donos do mundo só porque tinham mais numerais nos bancos que a maioria. Não fazia questão de me encaixar socialmente, também. A minha meta era passar pelo ensino médio sem grandes emoções, sem grande loucuras e estresses, mas Dana apareceu. Eu não lembro como a gente começou a se falar, só me lembro que um dia éramos desconhecidas e no outro amigas inseparáveis.
Sem complicações ou explicações.
Quando cheguei em frente ao Carté, uma garoa fina já caia e o céu quase branco mostrava que ainda vinha muito água por aí. O Carté era um casarão que, por fora, parecia até abandonado. Mas, por dentro, os cômodos eram como pequenas boates e tocavam estilos diferentes de música. Tinham pequenos bares espalhados pelo local, que possuía uma ótima acústica. Era um lugar bem aconchegante para quem curtia dançar e se divertir sem ser de um jeito hardcore.
Na Garagem, que era literalmente uma garagem, tocavam bandas novas e alternativas, uma coisa mais pesada. Era tudo muito escuro e a maioria das pessoas iam lá para se pegar. E tinha o Pátio, que era onde Dana e os caras que ela tinha conhecido estavam. Haviam várias mesas espalhadas, metade coberta por uma lona e, a outra metade, por algumas árvores. No canto, tinha um pequeno bar, que dava um ar de pub inglês. Eu gostava muito de lá. Era bom, barato e muita gente não fazia ideia que, por trás daquela frente caída, existia um ambiente incrível e acolhedor.
Peguei minha carteira de dentro da mochila, meu celular e saí do carro. Atravessei a rua abraçando meu próprio corpo, me arrependendo de não ter trocado de roupa assim que bati o olho em algumas pessoas que estavam do lado de fora do local. Estava uma noite boa para conhecer alguém casualmente e meu vestidinho florido de algodão, meu casaco preto e aquelas sapatilhas não iriam me ajudar nisso.
Paguei minha entrada e parei em frente a um espelho antes de seguir para o Pátio. Eu estava até apresentável para uma pessoa que saiu de casa às 5h da manhã e almoçou numa barraca de hot dog. Passei a mão pelo rosto quase sem maquiagem, se não fosse pelo rímel que seguia presente, firme e forte. Meu cabelo, recém cortado na altura dos ombros, estava preso pela metade e com frizz, por conta da umidade, mas ainda agradável.
Adentrei o local, escutando a melodia marcante, que só podia ser The Cure, tocar mais ao fundo, que parecia quentinho de tão confortável. Não estava lotado, mas havia uma boa quantidade de pessoas nas mesas. Procurei rapidamente por Dana e ouvi sua risada numa das mesas do fundo, perto de uma pequena árvore. Fui até a mesa, sentindo meu coração dar um pulinho.
Ah, a inquietação de conhecer pessoas novas.
Avistei Dana sentada com três caras e quis dar um soco nela por não ter me falado nada por mensagem. Ela podia ao menos ter me avisado que um dos caras era o tal . É claro que eu o conhecia. Toda a cidade conhecia e eu, como uma boa cidadã, também tinha minhas curiosidades e vontades em relação a ele.
era um cara de quase 1,80m, que desafiavam os meus 1,56. Ele, com aquelas costas largas e sorriso de menino inocente, despertava o interesse de muita gente em Hillswood. Dana sabia minhas vontades, pois comentei sobre ele vez ou outra, enquanto stalkeava suas redes sociais, mas nunca pensei que ela iria aparecer com ele, ali. Nem sabia que ela o conhecia.
– Boa noite. – Cumprimentei, cordialmente, e vi todos virarem para me olhar, até mesmo .
– Finalmente! Achei que você tinha desistido. Senta aí. – Dizzy exclamou, animada. Apontou para a cadeira vazia entre os caras que eu ainda não conhecia e de frente para ele.
– Que tal me apresentar antes? – Eu disse, mas já sentando e colocando minha carteira em cima da mesa.
– Meninos, essa é a . , esses são , Jack e Cam. – Ela apontou para cada um deles e eu sorri tímida.
Eu não era tímida, mas vocês também ficariam se tivessem que sentar em uma mesa com quatro pessoas bem bonitas enquanto você parecia uma batata.
– Ouvimos Dana falar de você o caminho inteiro e já estávamos achando que você era invenção da cabeça dela. – Cam estendeu a mão para me cumprimentar, fazendo todos rirem também. Cameron usava óculos iguais aos meus, tinha o cabelo castanho e lembrava um pouco Dermot Mulroney jovem, só que britânico e negro.
– Seja lá o que ela tenha dito, é tudo mentira. – Eu apertei a mão dele, simpatizando logo de cara.
– Ela só disse coisas ruins. Se eu fosse você, me preocupava com essa amizade – riu, batendo no ombro de Dizzy com o próprio e estendendo a mão para mim. Eu ri e apertei firme, já sentindo minha confiança ir embora.
– Que mentiroso! Eu falei super bem de você. O quanto é legal e adorável. – Dizzy riu, me mandando uma piscadela.
– Então a mentira já começa aí. – Falei, enquanto cumprimentava Jack, que usava uma camisa com o perfil do Che Guevara, que me fez torcer o nariz, e todos riam.
– Falsa! Sou um amor e você só me destrata. – Dana falou com uma falsa tristeza e fazendo um biquinho.
Vi sorrir, parecendo encantado enquanto ela sorria para mim depois, e eu soube que iria entrar em uma batalha perdida. Cam me ofereceu uma cerveja e eu prontamente aceitei com um “amém”, fazendo-os rirem.
– Como foi o dia? – Dana bebericou sua própria cerveja.
– Difícil, mas estou viva apenas para tomar essa cerva bendita, que eu desejei durante o dia todo. – Dei uma golada longa no líquido gelado. Já que aparentemente estou fora do jogo, pelo menos ficarei bêbada enquanto vejo Dana se dando bem.
– Foi um desejo em comum. Eu também necessitava tomar umas hoje. – Jack concordou, esticando seu copo para brindar comigo. Ri e me desculpei por beber antes de brindar.
– Você pediu minha pizza? – Dirigi-me a Dana, que parecia cinco vezes mais bonita naquele dia.
– Pedi. Com mais coisas por cima possíveis. Imaginei que você estaria com um monstro aí dentro. – Apontou com a cabeça para minha barriga. Agradeci e senti meu corpo relaxar com o clima amigável na mesa. Todos estavam rindo e sendo bastantes simpáticos comigo, não dando brecha para que eu me sentisse desconfortável.
– Nós também pedimos uma pizza faz uns 20 minutos. – informou, olhando no relógio do celular. – Eu nunca vim aqui. Costuma demorar?
– Na verdade, não. – Dizzy respondeu e ele a olhou, sorrindo. Dei uma risada para o nada e enchi o copo novamente.
Perguntei como Dana tinha os conhecido e eles contaram que ela teve que fazer um trabalho com Cam, que era fotógrafo. Logo depois, também acabou por chegar no estúdio, já que também tinha uns trabalhos com Cam e eles eram muito amigos. Dana e Cam precisavam se reencontrar para finalizar algo do trabalho, então chegou Jack, que era DJ e ia tocar no Carté naquela noite. Dana, gente boa do jeito que era, já tinha intimidade o suficiente para ser convidada para ir junto com os rapazes até lá.
E minhas suspeitas de que queria Dana só se confirmaram ao longo da conversa.
O tempo todo ele era engraçado e gentil com ela, flertava de um jeito tímido e fofo, de forma que ela não se dava conta. Dizzy tinha esse jeito meigo e atencioso com todos, mas também não costumava prestar atenção nas coisas. Logo, ela nem sempre percebia quando alguém estava interessado. Simplesmente achava que ele era assim mesmo, e estava me segurando para não falar para ela beijá-lo ali mesmo. Eu reconhecia a derrota e já comemorava por ela. Se Dana iria ter a oportunidade de passar a mão naquele poço de gostosura, que fosse com louvor.
As coisas entre mim e Dana eram assim, simples. Nos conhecíamos bem demais, sabíamos demais uma da outra e também sabíamos o momento certo para tudo. E aquele sorriso do , lindo demais diga–se de passagem, era todo dela e para ela. Era explícita a admiração que ele sentia e eu não o culpava, de forma alguma.
Dana, com suas pernas longas, cabelos grandes e sedosos, além de um corpo escultural, parecia o tipo de garota que saía de um comercial de TV que personificava garotas perfeitas. E ela era, mesmo. Era doce, gentil, interessante, engraçada, carinhosa, curiosa e dona de um sorriso tão marcante e perfeito que só ela tinha. Eu era apaixonada por Dana de um jeito não sexual, por assim dizer. Amava e exaltava cada parte dela. Nós éramos completas e donas de si demais para invejas e competições.
Como eu disse, entendo a fascinação dele, mas não conseguia evitar sentir um pouquinho de ciúmes.
Quando as pessoas não conseguiam nada com a Dizzy ou qualquer outra amiga minha, eu estava ali de segunda opção. Eu era uma DUFF* assumida e todos sabiam disso. Foi-se o tempo que isso me incomodava. Eu era conformada. Sabia que não era feia e que minha personalidade ajudava muito na hora de conhecer alguém. Não era magra, mas até gostava de ter algumas curvas mais salientes. Sabia que não iria conseguir alguém por conta das minhas coxas grossas demais para o tamanho do meu quadril, nariz um pouco grande demais pro meu rosto, olhos pequenos demais e minha barriga, que não chegava perto de ser trincada como a de Dana.
Eu não era boa na parte da beleza, mas sabia manter uma conversa, fazer alguém ficar interessado, era boa no flerte e também tinha um ótimo senso de humor.
Meus pensamentos e a conversa na mesa foram interrompidos quando nossas pizzas chegaram e eu percebi o quanto estava esfomeada. Nem liguei para etiquetas, fui logo pegando a pizza com a mão, mesmo e sorri ao vê-lo fazendo o mesmo.
– Então, Jack? – Perguntei, meio em dúvida se aquele era mesmo o nome dele. – Você vai tocar hoje?
– Sim. É a primeira vez que toco aqui. Faço uns bicos às vezes, trabalho na casa de shows da sogra do Cam. Sou estudante de música. Sabe como é, a gente aceita qualquer coisa. – Ele deu de ombros, se empanturrando com a pizza.
– E você, ? Conta pra gente até quando vai se matar de trabalhar em algo que você nem gosta? – Dizzy sorriu, sarcástica. Revirei os olhos com sua alfinetada.
– Quem disse que eu não gosto do que eu faço?
– Você mesma. Três segundos atrás. – Cam deu uma mordida na pizza, olhando-me provocador, fazendo Dana rir.
– Só não é minha preferência. – Dei de ombros e voltei a me concentrar na minha pizza.
– Ela trabalha em um jornal que é tudo que ela luta contra desde a época da escola. – Dana explicou, ao notar a confusão dos rapazes.
– É difícil juntar algo que você gosta com o que você precisa fazer. – me olhou e deu um sorrisinho de lado. Não sorri de volta, pois estava com a boca cheia e já meio irritada com Dana. – Eu te entendo.
– Por que você se mata de trabalhar se nem gosta? – Jack perguntou e me passou outra fatia de pizza quando percebeu que eu precisava de mais, porém estava com vergonha de pedir a do sabor deles.
– Reconhecimento. Se me esforçar e for boa em algo que eu não gosto, irão perceber que posso ser melhor no que gosto. Ficou confuso? – Tentei explicar o mais breve possível. Não queria ter que explicar toda a burocracia em volta do que eu fazia. Ou do que eu achava que fazia.
– Eu concordo plenamente, por isso eu toco até em bar mitzvá. – Jack fez todos rirem com sua declaração. – é o sortudo aqui.
– Não sou sortudo. Lutei pelo que queria, só isso. – assegurou, bebendo um gole de sua caneca e batucando a mesa com a outra mão, no ritmo da música que tocava.
era cantor, por isso sua fama na cidade. Eu nunca tinha visto ele cantar, logo não sabia se realmente ele era bom, mas já havia visto seu nome em algumas casas de show da cidade e sempre haviam filas nas portas. Talvez ele fosse só um rostinho bonito.
Forcei minha mente a descobrir qual música tocava no local, já que cantarolava livremente, quase nem prestando atenção na conversa na mesa. Prestando um pouco mais de atenção, identifiquei que era uma música cujo refrão era “no rest for the wicked”, que significava ‘não há descanso para os perversos’. Eu conhecia a frase, era de algum livro da Bíblia, mas não conhecia a música. Teria que pesquisar depois, já que ela estava sendo apropriada para o momento. A frase também poderia significar que você precisa trabalhar duro, mesmo que já esteja cansado.
Altamente apropriada.
– Eu também entendo. – Dana continuou, defendendo seu ponto de vista. – Mas acho que a . Seus olhos também me acharam e ele sorriu de lado.
– Money don't grow on trees. – Completou minha sentença com o que eu acreditava ser uma frase da música.
Forcei um contato visual constante e ele não desviou o olhar enquanto virava o copo dele, bebendo o resto de líquido que tinha ali. Aquilo alertou algo dentro de mim. Eu estava no jogo?
A pizza já havia acabado e agora já estávamos na cerveja de novo. Todos já estavam meio leves e alterados, e a chuva aumentando gradativamente. Enquanto Dana pedia mais uma rodada, Cam começou a se despedir de nós. Disse que tinha uma viagem à trabalho para fazer pela manhã e pediu desculpas a Jack por não poder ficar. Depois de um drama exagerado e engraçado de e Jack, Cam conseguiu deixar o local.
Ele pareceu realmente chateado de ter que ir. Abraçou–me e disse que tinha adorado me conhecer. Percebeu que eu era a mais sóbria entre eles e pediu para que eu tomasse cuidado com os garotos caso eles saíssem dali bêbados demais. Eu, claro, disse que sim. Jack iria começar a tocar às 1h da manhã, o que significava que eles ainda tinham uma hora para beber mais.
Todos já estavam soltos e parecia que nós éramos amigos de infância, cheios de risos e piadas internas. Comecei a dosar minha bebida já que iria dirigir e levar todos em casa. Geralmente, eu era forte para o álcool, mas não gostava de abusar da sorte. Também era contra beber e dirigir, mas eu quebrava a regra algumas vezes. Outra coisa da qual não me orgulho nenhum pouco.
Conversa vai, conversa vem. Por um momento, senti–me em um campo de batalha com Jack e jogando uns flertes pesados e disputando a bela Dana Tomazio. Eu me senti um pouco distanciada, mas não era do meu feitio deixar o jogo de cabeça baixa.
Se fosse pra morrer, eu morreria atirando.
– Então, você levou um chute nas costas e não fez nada? – Jack perguntou para Dana, meio surpreso. Nós estávamos falando sobre uma das nossas várias histórias da época de escola. Contamos do dia em que um simples interclasses tornou-se um ringue por culpa de Dana, que era muito boa no basquete e estávamos ganhando.
– Eu sou muito lerda! – Dizzy praguejou, batendo na própria testa ao lembrar do seu infortúnio. – Quando senti o chute, nem imaginei que tinha sido de propósito. Achei que nem era pra mim!
– Um chute certeiro nas costas não tem como não ter sido por querer, realmente. – Zombei do jeito leve e lerdo de Dana, fazendo todos rirem.
– Foi do nada. Em um minuto, estava quieta, nem parecia que estava prestando atenção ao que acontecia. E no outro, estava socando a cara da menina. Deu pena! A garota nem conseguia se defender. – Dana gargalhou e eu escondi meu rosto entre as mãos. Já tinha feito muitas besteiras na vida, coisas que nos dias atuais sou completamente contra.
Mas é aquela velha desculpa. Adolescência…
– Você é do tipo durona, então? – encarou–me com um sorrisinho de canto, sacana. Eu estava sentada de frente para ele. De vez em quando, meus pés batiam nos dele e nossos tornozelos se encontravam. Eu não sabia se era de propósito e isso estava me dando arrepios loucos. – Você sabe que não tem tamanho para isso, não é?
– Essa é minha vantagem. Quando você menos esperar, não vai nem saber o que o atingiu. – Retruquei. Ouvi Jack e Dana fazerem um "uooooo" e baterem na mesa. Ri enquanto tomava um gole de cerveja, olhando-o por cima do copo. Agora me olhava com os olhos que eu desejava.
– E contra mim? Eu tenho quase 1,80, sabia? – Ele me olhou com uma sobrancelha levantada, quase como quem me desafiava.
– Isso nunca me impediu de nada antes, big boy. – Ouvimos um outro "uooo" dos nossos amigos bêbados e riu, com os lábios apertados e os olhinhos fechados.
– Eu adoraria ver você tentar ter esse seu jeito comigo, , mas acho que seria covardia com você. – Proferiu, quase como se estivesse com piedade de mim.
– Você perderia feio, big boy.
– Você me chama de big boy e ainda nem viu a maior parte de mim. – Eu gargalhei, mas não deixei barato.
– Você diz que não me garanto, mas nunca nem tentou. – Expressei, abrindo os braços.
Jack e Dana batiam na mesa e gritavam com a nossa pequena disputa, como se estivessem assistindo a uma lucha libre, sem se importar em estarem chamando atenção das mesas ao lado. Nós ainda nos encaravámos, mesmo estando quase morrendo de rir.
– Ok, eu estou adorando isso, mas preciso tocar. Por favor, prometam que só vão continuar com essa batalha quando eu estiver por perto. – Jack nos interrompeu. Olhei para ele rindo, mas senti que os olhos de não abandonaram meu rosto.
Pegamos nossos copos e saímos da mesa, indo em direção a Casa. Minha movimentação fez com que o casaco deslizasse pelo meu ombro, deixando–me desprotegida do frio que fazia. Com as mãos ocupadas, já que meu celular e carteira estavam em uma mão e o copo na outra, mexi meu ombro de uma forma desengonçada, tentando pôr o casaco no lugar. Foi quando , que estava logo atrás de mim, resolveu intervir, colocando o pano no lugar. Seria ótimo e fofo, mas o jeito que ele o fez deixou-me tremendo na base. Ele subiu os dedos lentamente pela minha costa até chegar ao meu braço. Puxou o pano até meu ombro e, repousou sua mão ali. Simplesmente parou com a mão ali, no meu ombro.
Apenas respondi um "valeu" baixinho, como se não tivesse dado importância para o ato, quando na verdade eu daria muita coisa para ele naquele momento.
Jack avisou que ia subir e se preparar para ir ao salão principal, sugerindo que fôssemos curtir a festa enquanto ele não entrasse para tocar. E nós fomos. Entramos nos três ambientes, dançando como três jovens bêbados dançavam quando só queriam se divertir um pouco. O rock alternativo que tocava na Garagem não nos entreteve por mais de dois minutos.
Na segunda sala, tocava Young Folks e e Dana dançavam e pulavam de um jeito cômico. Eu apenas me balançava de um lado para o outro, pois não estava bêbada o suficiente pra mostrar minhas incríveis habilidades de dança. Logo passamos para o salão principal, local em que haviam mais pessoas e onde Jack iria tocar.
Algumas músicas pop antigas que faziam e Dana enlouquecerem soavam no ambiente. Eu não entendia muito bem de música pop, ou de música em geral, então apenas sentei no pequeno bar que tinha lá perto.
Estava traçando mentalmente algum plano para tentar chegar em , que apesar de ter me dado alguns sorrisos, ainda parecia inatingível. Eu havia decidido que o queria e não me importava de ser pega como prêmio de consolação, já que Dana aparentemente não estava querendo-o.
Eu era egoísta e auto depreciativa a esse nível.
Interrompendo minha divagação, um cara aproximou-se de mim. Perguntou o porquê de eu estar sozinha, querendo se aproximar. Ele não era de todo mal. Se fosse qualquer outra noite, eu o deixaria chegar em mim, mas estava seletiva. Não aceitaria nada menos que aqueles 1,80 de costas largas e braços fortes.
– Você é bonita para ficar só. – O gênio em minha frente ainda tentava.
Eu ficava puta com isso. Só porque eu estava sozinha isso significava que eu queria companhia? Minhas vertentes feministas esquentavam nessas horas, mas mantive a calma. Apesar da fama de ter cabeça quente, eu só arrumava confusão quando era estritamente necessário. Caso contrário, era totalmente a favor do "faça amor, não faça guerra".
– Hoje não. – Respondi seca, mantendo meu olhar na parede oposta, brincando com a bebida em minha garrafa, tentando fazer com que eu ficasse com a cara mais desinteressada do mundo.
– Mas você está sozinha aqui e...
– Hoje não, cara. – apareceu por trás do cara, dando uns tapinhas em seu ombro e sorrindo debochado.
Droga, ele parecia muito mais desejável com aquela luz ambiente verde escura sob seu rosto. O cara apenas levantou os braços em rendição e sumiu no meio das pessoas antes que pudesse olhá-lo novamente. Agradeci à . Eu não estava com paciência para gente que não sabe ouvir um “não”. Já é ridículo o suficiente que o nosso "não" nunca é o suficiente, eles precisam ver que tem um homem com você, para só assim te deixar em paz.
– Quer dizer que é difícil te deixar só? – brincou.
– Isso não acontece muito... – Disse tentando não parecer tão cabisbaixa quanto estava em dizer aquilo.
– Não acredito em você. Deve ser difícil ser seu namorado. – Eu realmente não sabia dizer se ele achava que eu tinha namorado ou só estava jogando verde. Ele mantinha uma expressão neutra o tempo todo.
– Talvez por isso ele seja inexistente. – Respondi.
– Eu achei que...
– Não. Namorados são sinônimos de problemas. – Interrompi-o, balançando as mãos.
– Eu já estava aqui, pensando em dez jeitos diferentes de te fazer deixar o seu suposto namorado para me dar uns beijos hoje.
Ele estava com a expressão calma, com as mãos nos bolsos e falou assim, calmamente, como se estivesse perguntando as horas. Fiz questão de olhá-lo da cabeça aos pés, como se estivesse analisando-o, e voltei a olhar em seus olhos, em um sinal claro de flerte.
– Me diz pelo menos dois deles e eu vejo se vale a pena deixar meu suposto namorado por esses lábios. – Repliquei sem titubear, enquanto encarava seus lábios, agora um tanto vermelhos de tanto ele morder.
– Te digo até cinco.
– Então, pode começar. – Informei risonha, achando engraçado a feição desafiadora dele.
– Número um. – Ele sentou ao meu lado no pequeno sofá que era grudado à parede, em um canto apertado.
O número de pessoas parecia aumentar cada vez mais, a música se tornava mais densa e aquele sentimento gostoso de conquista e paquera passava por nós. Seu braço estava em volta de mim, descansando em minha cintura. Ele estava meio inclinado sobre mim e eu sentia todo aquele cheiro maravilhoso de perfume masculino me envolver.
Eu não sabia onde a Dana estava, mas se ela voltasse agora, estaria muito, muito ferrada.
– Número um: Seus lábios são lindos, não consigo parar de olhar para eles e pensar no quanto deve ser boa de beijar. – Afirmou, olhando intensamente para minha boca.
– Argumento fraco. Você só me parece bêbado, mas prossiga. – Fiz sinal para ele continuar.
Estiquei-me para colocar a garrafa de água vazia que eu segurava em cima do balcão, mas estávamos tão próximos que quando levantei, seus lábios esbarraram em minha bochecha. Tentei voltar a sentar na posição anterior, mas ele aproveitou para me segurar ali, quase em cima dele.
– Número dois: você é linda, eu provavelmente passarei o final de semana inteiro me amaldiçoando por não ter te beijado antes. Isso é um problema meu, eu sei. Mas isso nos leva ao argumento número três: você quer me beijar tanto quanto eu quero te beijar. O que nos leva ao argumento número quatro: se você deixar eu te beijar, prometo que vou, pelo menos, tentar fazer sua noite valer a pena.
era a coisa mais adorável do mundo e eu provavelmente nunca tinha ficado com alguém tão fofo.
– Você esqueceu o número cinco. – Comentei, já meio perdida por conta da intensidade em seu olhar.
– O número cinco é baseado em tentativas.
Jack começou a tocar naquele momento e eu nem tinha percebido que ele já estava no palco. Todas as pessoas que estavam em nossa volta se viraram para o palco, aplaudindo, dançando e começando a gritar ao ouvir a introdução do set dele, que começava com uma série de músicas antigas. Quando fiz menção de levantar também, senti as mãos de me puxarem para baixo, pelo quadril. Ele colocou a mão no meu pescoço e roçou seus lábios nos meus, de leve. Agora eu entendi o que ele quis dizer com “tentativas”.
Eu estava toda arrepiada, nem acreditando que aquilo estava acontecendo. Cruzei minhas pernas e apoiei uma mão em sua coxa grossa para conseguir um apoio melhor. Não respondi, apenas estalei um beijo rápido em seus lábios, puxando-os um pouco. Já estava pronta para levantar, fazer um charme, deixá-lo na vontade mais um pouco, mas ele foi mais rápido e agarrou meu rosto com as mãos, beijando-me com vontade.
E quem sou eu pra entrar no caminho de um homem decidido, afinal?
Fazia tempo em que eu não me sentia tão bem e leve beijando alguém. beijava no tempo certo. Nem rápido, nem lento. Ele aproveitava o beijo e era carinhoso. Beijava com muita ternura para quem tinha me conhecido à algumas horas atrás. O tempo todo acariciando meu rosto e tomando cuidado quando sua mão ultrapassava alguns limites, que talvez ele achasse que fossem limites.
Nesse momento, eu já sabia que teria que tomar cuidado com aqueles lábios perigosos. Mais uma noite com ele e eu provavelmente estaria em apuros.
Ficamos mais alguns minutos nos beijando, até que meu celular vibrou em minhas pernas. O nome de Dizzy surgiu na tela, brilhante, e eu soube que teria que me separar dele para encontrá-la. Andamos entre as pessoas no salão com mantendo sua mão em minha cintura o tempo todo. Eu pareço adolescente novamente por fazer observações como essa. Quando achamos Dana, ela também procurava por nós.
– Preciso ir ao banheiro, vamos comigo? – Ela perguntou, depois que dançamos algumas músicas do set de Jack.
– Vou no bar, vocês querem mais? – perguntou. Dana pediu mais uma garrafa de cerveja e eu pedi mais uma garrafinha de água. Ele afagou meu pescoço quando Dizzy e eu saímos em direção ao banheiro.
– O que foi? O que eu perdi? – Dana perguntou quando já estávamos dentro do box no banheiro. Sim, nós entrávamos juntas.
Eu segurava suas pernas, oferecendo o apoio necessário para que ela não encostasse o traseiro no vaso sanitário. Acho que isso é uma regra internacional de todas as mulheres. Principalmente quando estamos falando de banheiros de bares, clubes, boates, dentre outros.
– Ele me beijou. – Contei, meio receosa. estava dando em cima dela no início da noite. Ao contrário do que eu pensava, ela pode ter percebido e poderia ficar chateada comigo.
– Ele te beijou? – Ela pareceu surpresa. Eu também ficaria.
– Sim. Ele chegou em mim, cheio das segundas intenções. Não tinha como dizer 'não'.
– Ah... Legal! – Dana não pareceu tão interessada no que eu tinha para contar, então reprimi minha vontade de comentar o episódio e logo me calei. – Me ajuda com a minha saia?
Assenti e puxei o zíper da saia azul que ela usava. Ficamos em silêncio enquanto eu urinava, usando o mesmo processo de não encostar no vaso.
– E aí? Você gostou? – Perguntou enquanto lavava as mãos.
– Do que?
– . – Dana revirou os olhos com minha lerdeza.
– Acho que até demais.
Olhei-me no espelho. Meu cabelo estava bagunçado demais. Não acreditava que teve coragem de chegar em mim, assim. Ele já deve estar arrependido. Vendo minha insatisfação, Dizzy ofereceu-se para prender meu cabelo do jeito que estava antes e eu aproveitei para nos analisar de frente para o espelho.
Ela vestia uma saia jeans e uma blusa moderna demais para meu entendimento, o rosto ainda perfeitamente maquiado e o cabelo brilhante. E eu ali, com meus óculos embaçado e um vestido surrado. Dana podia ser facilmente o tipo de garota que só existe em TV. Você sabe de qual estou falando.
Aquelas que estão com o cabelo sempre no lugar, não têm mau hálito, que comem toda a gordura do mundo sem engordar um quilo e estão sempre sorrindo.
– Acho que já estou ficando meio bêbada. – Dana confessou depois de dar um beijo no meu rosto.
– Você já está bêbada.
– Verdade! – Dana disse gargalhando alto e me fazendo rir também. Ela tinha uma gargalhada engraçada e espontânea, que sempre me fazia rir.
Voltamos quase no final do set de Jack. Ele iria tocar por uma hora, apenas. e eu nos beijamos mais algumas vezes e foi uma delícia. Eu abraçava a cintura dele, dançando, e ele passava um braço pelo meu ombro. Ficava brincando com meus lábios, não deixando eu aprofundar o beijo. Eu passaria a noite assim, mas quando Jack finalizou seu trabalho e ganhou algumas doses de tequilas de graça, as coisas saíram um pouco do controle.
Eu me afastei por uns minutos para ir ajudar uma moça bêbada e quando voltei Dana dançava em cima de uma mesa, Jack entrou numa de dançar valsa com e eu fiquei apenas rindo de tudo a minha volta, deixando-os se divertirem do seu jeito estranho e irreverente.
Já eram quase cinco da manhã quando tive que arrastá-los para fora do Carté em direção ao meu carro. Quando anunciei que era hora de ir embora, foi o único que se recusou, queria ficar mais um pouco. Mas eu havia prometido a Cameron que todos chegariam em casa são e salvos, então puxei pelo braço e empurrei-o em direção ao meu carro. Ele ria e dava em cima de todas as pessoas que passavam por nós, com cantadas ridículas.
– Minha carteira e minhas chaves, vamos! – Passei a mão pelos bolsos da calça de , onde eu tinha colocado minhas coisas mais cedo, receando esquecê-las por cima de alguma mesa.
– A gente devia seguir o exemplo deles, olha! – riu e apontou para Dana e Jack se beijando sem pudor, encostados na porta traseira do meu carro.
– Que porra é essa? Quando isso aconteceu? – Gargalhei, incrédula com a cena ao meu lado. imprensou meu corpo na porta do motorista e tentou me beijar. – Você deu em cima de um monte de gente e agora quer me beijar. Que absurdo!
Comecei a rir, mas o beijei de volta, aproveitando para pôr a mão dentro do seu bolso traseiro, puxando minha carteira e minhas chaves dali. Ainda o beijando, fui empurrando ele em direção a porta, do outro lado, até arranjar uma forma de jogá-lo de qualquer jeito lá dentro. Ele reclamou, mas assim que se sentou direito, encostou a cabeça no banco e fechou os olhos. Fechei a porta do passageiro e ri ao ver Dana quase se prendendo na cintura de Jack.
– Ei, para dentro! A porta está aberta, vamos. Nada de fazer besteira aí atrás. – Dei um tapa na bunda de Jack. Eles riram e entraram no carro, voltando a se agarrar instantaneamente.
– , o endereço. – Pedi, colocando a mão na coxa dele, balançando um pouco. Ele colocou a mão em cima da minha e respondeu que ficariam na rua 13.
– É o único condomínio que tem lá.
Enquanto eu dirigia, Jack e Dana colocaram Britney Spears para tocar. Segundo Jack, Spears era seu maior guilty pleasure*. Eu desconfiava que eles estavam até coreografando ao som de Baby One More Time. Pelo menos, eu torcia que a grande movimentação no banco de trás fosse apenas dança.
– Quero te ver de novo. – se inclinou em minha direção, deu um beijo rápido na minha bochecha e voltou à posição anterior.
Senti todo meu interior se aquecer, surpresa com seu ato. Até o álcool pareceu evaporar. Peguei meu celular, desbloqueei e joguei em seu colo. Ele prontamente pegou, colocando seu número.
– Vou me mandar uma mensagem. Não quero que você fuja de mim. – Ele avisou. Dei uma olhada rápida e ele realmente estava digitando alguma coisa.
– Tenho cara de quem foge?
– Parece ser aqueles tipos de garota que nós só vemos uma vez na vida. – Ele colocou o celular de volta nas minhas pernas e deixou a mão por ali mesmo.
Ah, essas mãos perigosas.
Andar pelas ruas do centro quando estavam vazias era uma das minhas coisas preferidas no mundo. O céu estava nublado, devido à chuva, mas estava muito bonito. Jack e Dana estavam dormindo um em cima do outro e provavelmente dormia também, com o rosto virado para o outro lado.
A mini-eu de dez anos sentia-se vibrante ao fim da noite.
Essa é a parte legal da vida adulta. A independência. O fato de você poder sair numa sexta-feira à noite, sem nenhuma expectativa de diversão e acabar tendo uma noite incrível, com direito a danças em cima da mesa, três novas amizades e um beijo que vai ser difícil de superar.
Apertei o ombro de , avisando que já tínhamos chegado. Ele abriu os olhos, olhando em volta, parecendo meio confuso. Sorri ao ver sua feição. O rosto vermelho e amassado me deixou agraciada. Encostei meus lábios nos dele, sentindo-o sugar meu lábio inferior. Sua língua brincou um pouco com a minha antes de nos separarmos com selinhos.
– Boa noite. – Ele desejou, com a voz rouca, me dando mais um selinho e virando para trás. Deu um tapa na perna de Jack, que levantou assustado. Jack deu um beijo na testa de Dizzy, que já estava completamente entregue, me fazendo pensar no desafio que seria para ela sair do carro. Jack me desejou bom dia e eu, particularmente, achava que ele ainda estava dormindo.
Ambos saíram do carro e se virou, sorrindo para mim de uma forma que me faria pensar naquele sorriso a noite inteira. Dei risada quando Jack virou para a direita, mas o puxou para a esquerda, guiando-o pelo ombro.
Cinco quadras antes de chegar ao nosso prédio, já comecei a cutucar Dana na intenção de acordá-la, mas ela estava certa que a ideia de dormir ali no carro era ótima, então tirá-la de lá foi difícil. Nós estávamos acostumadas a chegar cambaleantes em casa, mas quando só uma de nós estava bêbada, era um saco.
Assim que entramos no apartamento, eu imediatamente a levei para o banheiro. Ajudei Dana a tirar suas roupas e ela fez o resto sozinha. Fui para meu quarto, jogando minhas roupas pelo caminho. Tomei um banho rápido devido a água fria demais. Coloquei apenas uma camisa cinco números maior que o meu, deitei na minha cama, sentindo os músculos quase gritarem de alívio. Abri meu WhatsApp, silenciando todos os grupos e respondendo minha irmã. Abri minhas mensagens e lá estava a mensagem de .
"Mande um oi para o . Ele é um cara legal e beija bem."
Sorri. Era extremo pensar que nada no mundo que me faria apagar aquele número?
Em menos de dois minutos, Dizzy entrou no meu quarto com seu cobertor nos braços e os olhos fechados.
– Dana, não. – Eu previ sua ação. Dana gostava de dormir com companhia quando estava frágil, triste, bêbada ou com medo. E eu não era lá muito fã de dividir cama.
– Não pedi permissão, . Você nem vai me notar aqui. – Deu um beijinho no meu nariz e eu revirei os olhos. Muito cansada para iniciar uma discussão, só deixei que ela se aconchegasse no meu ombro e fechei os olhos.
Dormiria imediatamente, se não fosse e seus lábios perigosos rondando minha mente.
Já faziam cinco horas que eu estava sentada no chão da sala. O notebook aberto e alguns papéis espalhados na mesinha de centro davam um ar ainda mais desesperado a pequena sala. Estava digitando incansavelmente mais um trabalho atrasado. Os professores já estavam perdendo a paciência comigo e eu só torcia para que eles não parassem de me oferecer segundas chances. Continuava dizendo, no meu íntimo, que deveria me esforçar mais, que toda a aposta em mim valeria algo no futuro, mas era difícil manter a cabeça no lugar quando nem entendia mais o meu propósito.
Despertei de meus pensamentos conflituosos ao perceber que já eram quase 21h. Dana ainda não se encontrava em casa e eu estava faminta. Sem a menor vontade de cozinhar, mandei mensagem para ela, perguntando se iria dormir em casa. Também comentei que estava com preguiça de cozinhar e que pensava em pedir sushi. A resposta veio em cinco minutos.
DizzyD 😍 (21:19): pede uma barca. Eu ajudo a pagar!
Cam está comigo, estamos indo para casa
Veste uma roupa!!!
Dei uma risada porque realmente estava sem roupas. Sentei na cadeira alta da nossa bancada e peguei meu celular, ligando para nosso restaurante japonês preferido e pedindo uma barca de sushi e sashimi. Enrolei um pouco para voltar à frente do computar e escrever. Liguei a TV, arrumei a cozinha, vi todas as minhas redes sociais, conversei no WhatsApp, lixei minhas unhas e voltei às redes sociais. Aproveitei para arrumar a sala, tentando diminuir a poluição visual que meus papéis jogados estavam causando.
Procrastinação era um dos meus maiores defeitos e eu me sentia um lixo depois. Amava trabalhar, gostava de estudar, mas sempre deixava tudo para fazer cima da hora e demorava a terminar. Quando eu não conseguia finalizar o que tinha planejado por falta de organização, quase morria de frustração. Por conta disso, a alguns anos atrás, antes da faculdade, desenvolvi um grave transtorno de ansiedade e precisei até mesmo tomar remédios por algum tempo. Eu sempre me pressionava muito e quase nunca conseguia suprir minhas próprias expectativas, o que originava umas crises horríveis de vez em quando. Às vezes eu sofria um “blecaute” na minha mente. Era como se eu ficasse fora do ar por horas e, quando voltasse a funcionar, queria morrer por ter caído de novo.
Já tinha um tempo que não tinha nenhuma reação exagerada, até começar a trabalhar no jornal. Certo dia eu cheguei a passar 30 minutos paralisada dentro do meu carro, na frente do campus da universidade. Só de pensar no trabalho que eu iria entregar e na prova que tinha que fazer, meu corpo se recusou a se mover. Eu chorei um monte e acabei voltando para casa. Fiquei sem nota por conta disso e acabei tendo que implorar para o professor me dar a chance de fazer outra prova. Eu preferi não comentar nada com Dizzy sobre isso, porque ela ia falar por horas, me fazer ir ao médico, ligar para a minha mãe quando eu recusasse e não me deixaria em paz. Então, para promover a paz em minha vida, preferi me manter em silêncio sobre tudo.
Se passaram quase duas semanas desde aquele dia no Carté. Eu, Dana e os rapazes nos tornamos amigos quase que imediatamente. A rapidez com que nós criamos intimidade uns com os outros foi até engraçada. Na quarta-feira passada, nós acabamos almoçando juntos por acaso. Todos nós estávamos perto do mesmo restaurante e, por intermédio de Dana, acabamos nos encontrando. Foi ótimo para quebrar um pouco do constrangimento e timidez que ainda tínhamos entre nós. Cam descobriu que Jack e Dana tinham se beijado e, não deixou de implicar com os dois, que nem se lembravam muito bem do que tinha acontecido.
Eu quase não via Dana nos últimos dias. Quando saía de casa ela ainda estava dormindo e quando chegava, ela ainda estava na rua. Nossa rotina andava muito puxada e a gente acabava se desencontrando. Nos finais de semana, ficávamos tão cansadas que passávamos o dia trancadas no quarto dormindo ou, no caso dela, trabalhando mais ainda. Aos sábados nós bebíamos uma cerveja enquanto assistíamos séries, quando Dana não tinha o que fazer. De fato, ela andava trabalhando na agência mais como modelo do que publicitária.
Desde que Cam e Dana descobriram que formavam uma boa dupla de trabalho e que tinham vários contatos em comum, encheram-se de projetos em conjunto e se viam toda semana, o que acabou contribuindo para uma amizade e intimidade ainda maior entre todos.
Arrumei meus óculos e me forcei a voltar a escrever. Apenas dois parágrafos e eu poderia não me preocupar (tanto) pelo resto da noite. Antes de começar a escrever, meu celular vibrou mais uma vez e lá se foi toda a minha determinação em terminar aquilo.
DizzyD 😍 (21:29): também está indo aí, ele quer comer.
“tô aqui pra isso” Respondi, rindo com minha própria audácia.
DizzyD 😍 (21:29): VOCÊ É TERRÍVEL!!!
Ele quer comida chinesa, não garotas baixinhas comunistas.
“HAHAHAHA comunista! Essa é nova”
DizzyD 😍 (21:30): Pede comida chinesa. E PÕE UMA ROUPA. Estamos dobrando a esquina.
Antes que eu questionasse mais coisas, uma nova mensagem chegou. apareceu na tela e eu tive que respirar fundo para conter a vontade de gritar e jogar meu celular na parede.
(21:31): oi , é o .
Eu não tenho certeza se você salvou meu número… Estou indo pra sua casa também, Dana deve ter comentado.
Pede comida chinesa pra mim?
Como tinha o meu número? Eu, com certeza, tinha seu número salvo, mas nunca tive coragem para mandar uma mensagem para ele ou algo do tipo. Talvez Dana tivesse dado meu número, ou talvez Cam. Eu queria perguntar, mas preferi fingir ser normal e agir como se não fosse muita coisa o fato de ele ter algo meu consigo.
“O que você vai querer?” Perguntei, respondendo sem demoras.
(21:31): 4 rolinhos primavera, um frango crispy executivo e 4 gyozas.
Por favor.
E uma Pepsi.
“Só?”
(21:32): E um beijo seu, se for possível.
“Hahahahaha
Estou rindo, mas é de nervoso com a sua OUSADIA hahahahha”.
Bloqueei o celular antes que ele respondesse e forcei minha mente a continuar escrevendo. Eu tinha dúvidas imensas em relação a e definitivamente não estava esperando por essas sensações precoces dando as caras. Quando nos encontramos no almoço da semana passada, ele foi muito cordial e tranquilo comigo, mas eu não tinha como saber se ele estava me tratando diferente, já que tratava todos assim. Porque ele tinha que ser tão legal com todo mundo?
Ele estava quase bêbado quando nos beijamos. Nossa situação poderia ser igual a de Jack e Dana, que decidiram rir sobre tudo e continuar amigos. Sem falar que o fato de termos nos beijado gerou uma reação diferenciada em todos. Com Jack e Dizzy, todos riram e fizeram brincadeiras sobre o beijo inesperado. Quando comentaram sobre nós, os meninos começaram a cumprimentar , deixando-o extremamente vermelho. E só. Nada mais foi comentado, inclusive por nós dois.
Também tinha o fato de Dana falar dele com empolgação a cada dois minutos. Não tive chances de falar sobre isso com ela. Como eu disse, quase não estava vendo-a naquela semana. Eu sabia que tinha se interessado, só não sabia se era recíproco.
– Chegamos, amorzinho! – Dana chegou em casa fazendo o maior barulho. Batendo portas, jogando chaves e gritando. Do jeitinho que eu gostava.
– Amorzinho? Vocês realmente são um casal. – Cam brincou, enquanto abria os braços em minha direção e eu pulei da cadeira, lhe dando um abraço forte. Dei um beijo no rosto dele e os ajudei com as bolsas que carregavam. Provavelmente estavam em algum ensaio fotográfico.
Eu gostava muito de Cameron. Ele era o tipo de cara que fazia piadas sujas o tempo todo, tinha um ar engraçado e sério que eu nunca tinha visto em ninguém, além de ser muito responsável e empenhado em tudo que fazia. Também era engraçado vê–lo tentando negar suas heranças britânicas, mas de vez em quando alguma fala sua acabava saindo com sotaque mais forte. O homem matava e morria por seus chás, reforçando estereótipos claros de ingleses.
– Ai, que saudades! – Dana me abraçou por trás enquanto eu voltava para a sala.
– Vocês moram juntas! – Cam falou com um tom de obviedade, jogando-se no nosso sofá e já zapeando pelos canais. A maioria das pessoas que Dana e eu recebíamos em casa sempre se sentiam muito a vontade. Eu ficava feliz com isso e atribuía a culpa ao lugar. Quando começamos a procurar apartamentos, aquele chamou nossa atenção justamente por ser aconchegante e confortável.
– Sim, mas parece que a gente não se vê faz uma vida. Andamos ocupadas demais. – Dana explicou, dando uma olhada rápida nos meus papéis reunidos no balcão. – O que é isso?
– Só estou terminando um trabalho e já desocupo aqui. Estou a quatro horas escrevendo e só empaquei no último parágrafo. – Revelei.
– Quer ajuda? – Apenas neguei com a cabeça, relendo minhas últimas linhas.
“Não é possível que não saia mais nada dessa cabeça, .” Resmunguei em pensamento, irritada com minha própria dispersão. O pensamento de que iria ver aquela noite também não me ajudava em nada.
– Aqui tem uma boa iluminação. A gente devia fazer algumas fotos aqui, Dizzy. Só para termos opção mesmo… – Cam sugeriu, olhando em volta do cômodo. Dana concordou, logo em seguida.
Aí uma coisa que eu queria para minha vida: Ser bonita ao ponto de ser possível fazer um ensaio fotográfico a qualquer momento.
Cam pegou sua câmera de dentro da mochila e engatou numa conversa com Dana, que já não me interessava mais, pois eu finalmente tinha conseguido digitar mais de duas palavras no arquivo. De vez em quando, desviava minha atenção do notebook para os dois artistas na minha sala.
Dana era simplesmente deslumbrante. Cam fotografava o perfil dela, com os prédios aparecendo pela janela no fundo. Eu sabia que as fotos ficariam bem modernas e conceituais. Os tijolos vermelhos de nossas paredes contrastavam com o vestido preto dela. Estava tão concentrada digitando que nem ao menos percebi quando Dana foi abrir a porta. Assustei-me, pulando no lugar, quando senti duas mãos na minha cintura e um beijo rápido em meu rosto.
– Calma, sou eu! – deu uma risada e empurrou meus óculos, que estava quase na ponta do meu nariz. – Caramba, você nem me viu entrar. – Murmurei um “desculpa”, puxei ele pelo braço para mais perto de mim e dei um beijo no rosto dele, rapidamente.
definitivamente era uma pessoa que poderia fazer um ensaio fotográfico em qualquer momento.
– Eu já tirei umas cinco fotos dela aí e ela nem percebeu. – Cam direcionou a câmera mais uma vez em minha direção. Arregalei os olhos, surpresa com sua afirmação.
– Você o que? Não! – Cobri meu próprio rosto com as mãos.
apoiou os cotovelos no balcão, ao meu lado, rindo. Dana foi até a geladeira e pegou três garrafas de cerveja, as distribuindo.
Eu nunca fui muito fã de fotos, nunca saía bem. As pessoas nunca conseguiam boas fotos minhas do jeito que eu conseguia para elas. Ou eu só conhecia gente que não sabia tirar uma foto, o que não era o caso, ou a câmera realmente me odiava.
– Uma de cada ângulo diferente. – Cam desdenhou, a câmera ainda apontada para mim, fazendo incansáveis “clicks”.
– Para com isso! – Joguei um lápis em direção a ele e o mesmo parou, guardando a câmera na bolsa novamente.
– Ela não gosta de ser fotografada. Eu tento mudar isso aos poucos, mas não é fácil fazê-la mudar de ideia sobre algo. – Dana deu um gole na sua cerveja e me ofereceu a garrafa. Balancei a cabeça, recusando. – Às vezes, nós nos aventuramos com a câmera. Não é, ?
– Sim, eu bato fotos suas pelo apartamento e só. – Expus.
– Duas garotas e uma câmera. Daria um bom pornô. – Cam finalizou sua cerveja em um gole. Eu e Dana nos entreolhamos, segurando o riso. Ela gargalhou, jogando a cabeça pra trás e batendo palminhas.
– Ah, meu Deus! Vocês fizeram um filme pornô! – parecia o mais entusiasmado com a possibilidade e todos nós rimos da sua euforia.
– Claro que não. A gente… Talvez, sei lá, nós tenhamos tirado umas fotos…
Tentei explicar de um jeito que não parecesse pura sacanagem, mas Dana amava fazer com que outras pessoas achassem que a gente fazia umas sacanagens. Não que nunca tenhamos feito, mas sempre envolvia uma terceira pessoa. E tequila. E uma vez envolveu uma câmera, mas isso é história para outro dia.
– Peladas.
– Dana! – Repreendi-a.
– O que? Foi mesmo! – Dana disse, desembaraçada, jogando o cabelo pra trás.
Ela estava passando por uma fase de negação com o próprio corpo, então sugeri que eu batesse algumas fotos dela pelo apartamento, sem maquiagem, sem nada, natural. Apenas nós duas, sem ninguém ditando o que ela deveria fazer ou como agir. Sem encolher barriga, sem corretivo. Assim, ela veria que era uma pessoa extremamente bonita e que não tinha motivos para insegurança. Ela topou, com a condição que eu também tirasse algumas fotos. Acabou tornando-se um ensaio muito bonito, artístico e, no final, tiramos algumas fotos juntas. Já tinha um tempo que nós queríamos bater umas fotos bonitas e mais elaboradas. Estarmos sem roupa fora apenas um bônus.
– A partir de hoje eu só tenho um objetivo na vida. – Cam expressou, batendo no próprio peito. – Ver essas fotos.
– Acho que eu até venho a óbito se um dia ver essas fotos. – suspirou, com um olhar longe, como se estivesse imaginando. Sua visão nos fez rir.
Chamei Dana e apontei sutilmente para a geladeira, onde estava exposta uma das fotos. Ela virou-se e pegou a foto que estava presa por um ímã.
– Aproveitem. Essa é a única que vocês verão! – Dana pegou uma das nossas fotos preferidas e estendeu aos dois.
A foto me expunha sentada na cama. De lado, eu segurava o lençol na frente do meu corpo com uma mão e, com a outra, me apoiava no colchão. O lençol não cobria minhas costas e deixava a lateral do meu corpo a mostra. Eu olhava com a expressão séria para Dana. Ela estava em pé, perto da janela, e também me olhava com a expressão séria. Dana estava completamente nua, mas como era uma foto escura, só dava para enxergar a silhueta curvilínea dela. Com um pequeno jogo de luz, consegui que apenas o rosto de Dizzy recebesse a mesma iluminação que tinha sobre mim. Nossos cabelos estavam diferentes. O meu estava grande e o de Dizzy estava curto.
Eu não sentia vergonha dessas fotos. Achava a coisa mais linda que já tinha feito. Mesmo assim, não consegui olhar para analisar sua reação.
– Uau! Quem tirou? – Cam analisou cada ângulo da foto.
– . Ela é boa nisso! – Dana comentou.
– Você é mesmo. Fez algum curso? – Ele perguntou, ainda com a foto em mãos.
– Bom… – Dana gargalhou antes de eu começar a contar, me fazendo rir também.
– Uma vez, Dizzy ficou interessada em um professor de fotografia que pagou dois meses de aula para nós duas, só para vê-lo. Diferente dela, eu prestava atenção no que ele falava.
– Persistente. – pegou a cerveja da minha mão e olhou para Dana.
– Corro atrás do que quero. – Dana deu uma piscadinha, fazendo as bochechas dele corarem um pouco.
Eles se entreolharam e aquele sentimento de frustração passou por mim novamente. Eu precisava parar com isso agora mesmo. Precisava ser madura e aceitar os fatos que estavam a minha frente.
– A gente podia fazer umas fotos juntos, . Por favor!
– Eu não sou tão boa, Cam. – Retruquei.
Eu gostava de tirar fotos, só não era meu passatempo preferido. Trocar lentes e analisar ângulos me deixavam entediada e, às vezes, até irritada. Continuamos comentando sobre fotos e minha aversão a elas quando Cam informou.
– Jack não para de me mandar mensagens, fazendo um drama sem fim. Quer que eu vá buscá-lo. – Cam se afastou para procurar as chaves do carro.
– Vou com você. Acho que precisamos passar no mercado para comprar mais cerveja. – Dana deu uma olhada na nossa geladeira, para ter a confirmação. – Só tem mais quatro.
– Eu não vou. Preciso terminar isso. – Apontei para o notebook e meu trabalho inacabado.
– Eu fico também. Para esperar… A comida. – ainda estava do meu lado, apoiado na bancada. Falou lentamente, como se não tivesse certeza de sua própria justificativa.
Cam e Dana se olharam maliciosos e fizeram barulhos pornográficos com a boca. Revirei os olhos e ri, encantada com as bochechas rosadas de .
– O garoto vai esperar a comida, Cameron… – Dana emitiu, sarcástica.
– Será que ela sabe que é a comida? – Cam indagou, fingindo estar falando baixo no ouvido de Dana. Ele logo foi recriminado pelos gritos de repreensão meus e de .
– Paga a comida no seu cartão, depois te reembolso. – Dizzy pediu. – Ainda tem cerveja na geladeira, a comida deve chegar logo e tem uma caixa de camisinhas no banheiro. Não se animem muito, voltamos no máximo em vinte minutos. – Pegou sua bolsa de cima do sofá, dando instruções para nós como se falasse com duas crianças.
– Vinte minutos dá para fazer uns três filhos. – comentou, brincando.
– Você está é maluco! Não fala um negócio desses nem brincando! – Estapeei o braço dele e todos gargalharam com meu breve desespero.
– Se vocês pagarem a cerveja, eu pago a comida. – sugeriu e eu concordei que poderia pagar pela comida também.
Logo entramos numa pequena discussão de marca de cerveja e matemática. Cam também queria salgadinhos e se recusou a pagar sozinho. Segundo ele, “quando o salgadinho está na sua frente, você não pensa em nada, só come”. Depois de duas ligações de Jack, brigando com todo mundo, reclamando que não gostava de esperar, Cam e Dizzy saíram de casa. Deixando eu, , meu trabalho mal feito e uma puta tensão sexual.
questionou algumas coisas sobre meu trabalho no jornal enquanto eu finalizava o texto e salvava. Ele parecia genuinamente interessado, mas também não parecia entender muita coisa. Talvez eu também não estivesse conseguindo explicar muita coisa porque o jeito que ele estava jogado no sofá me dava ideias impuras.
– Então, é um estágio remunerado. Certo? – Perguntou. Concordei enquanto desligava o notebook. – Mas pelo que você falou, você não faz trabalho de estagiária.
– Sim, eles me usam com a desculpa de que veem potencial em mim. Falam que sou melhor que uma estudante qualquer pra fazer um trabalho de estagiária, mas para falar a verdade, eu acho que eles só sentem preguiça de fazer a parte chata do trabalho. Logo, eu estou ali.
– Isso não é ilegal? Não pode ser certo. – Ponderou, apoiando o rosto na mão.
– São negócios, . – Dei de ombros e recolhi os papéis da mesa.
– E você quer continuar trabalhando lá depois de se formar? Falta pouco?
– Faltam alguns semestres e… Bom, eu ainda não pensei muito sobre isso. As recomendações que posso ter são o que ainda me mantém lá. – Peguei meus papéis, notebook, toda a minha bagunça e levei para o quarto.
– Achei que você e Dizzy tinham terminado a escola juntas.
Ouvi a voz de bem baixinho, enquanto ajeitava meu cabelo no espelho. Não tinha muito o que fazer, pois não estava de todo mal. Eu não lavava meu cabelo faziam dois dias e uma das maiores injustiças do mundo é ter que lavar o cabelo quando ele está simplesmente deslumbrante. Pelo menos não estava fedendo.
– E terminamos, mas ela é mais velha e entrou na faculdade um ano antes. – Expliquei enquanto voltava pra sala. – E eu perdi um semestre, por isso sou atrasada.
Nós finalmente estávamos sozinhos. Não era possível que eu era a única sentindo a inquietação na sala. A hora da verdade era agora. Me deixe entender, . O que nós somos? Ironicamente, ele usava uma camisa preta com os dizeres “should I stay or should I go” da música do The Clash.
– E falta muito? – Ele perguntou.
Fiquei meio em dúvida do que fazer em seguida. Ele deve ter percebido que eu esperava por ele, pois puxou-me pela mão quando me aproximei e me sentou em seu colo. Colocou uma mão na minha cintura e levou a outra até meu queixo, trazendo-me para mais perto de si e depositando um selinho rápido nos meus lábios.
Ok, obrigado pela explicação. Stay.
– Cinco semestres. Se eu não enlouquecer, é claro. – Me dei liberdade para passar um braço pelo seu pescoço e apertei as bochechas dele, formando um biquinho. – Você quer o beijo antes ou depois do jantar?
– Você costuma ser prestativa assim? – Ergueu uma sobrancelha, apertando minha coxa de leve. Assenti, sorrindo de lado. – Isso é legal. O problema é que eu quero um beijo antes e outro depois do jantar.
– Vou ver o que posso fazer por você. – Ele sorriu e, sem mais delongas, beijou-me.
Eu gostava muito de beijar . Era o tipo de beijo completo, o pacote todo. Não era apenas lábios e língua, mas também a mão que não se decidia entre minha cintura e quadril. Aquela mão na minha nuca, o suspiro forte que ele dava quando nos afastávamos para respirar, o perfume forte que parecia gritar o nome dele. Ficamos nos beijando por uns bons 20 minutos. Eu acariciava a nuca dele e agora, com a posição e intimidade, ele tinha liberdade pra passar a mão por toda a minha coxa e assim o fez. subia e descia a mão da minha coxa até a cintura, por dentro da minha blusa.
Amaldiçoei até a quinta geração do entregador que tocou o interfone na hora exata em que a mão boba de finalmente chegou próxima ao meu seio. No prédio não tínhamos porteiros, então tínhamos que descer para pegar a comida ou deixar as pessoas subirem, mas eu não tinha essa coragem.
– A comida. – Avisei. Insatisfeito com meu afastamento, ele começou a descer os beijos até meu pescoço.
– Temos que descer? – Apenas assenti de olhos fechados, sentindo meu corpo se arrepiar com um beijo mais molhado que foi depositado em meu pescoço. Puxei o rosto dele em direção ao meu quando ia beijá-lo e o interfone tocou mais uma vez. Tive que levantar para atender. Xinguei o entregador e fui meio mal-educada com o coitado.
No elevador, amarrei meu cabelo em um coque, mas ele não sobreviveu por muito tempo. puxou a ponta do mesmo, me empurrando na parede e me beijando. era um cara alto, então eu tinha que ficar na ponta dos pés ou ele precisava se curvar, mas isso não era um problema. Enquanto pagávamos o japonês, a comida chinesa chegou. Os dois entregadores entreolharam-se entre risinhos e eu me perguntei como estava a nossa situação. Tinha certeza de que estava claro que estávamos em uma sessão de amassos no elevador.
Arrumei a barca em cima da nossa mesinha de centro, que era bem larga e tinha sido comprada por causa disso mesmo. Não tínhamos mesa de jantar, na maioria das vezes eu e Dana acabávamos comendo em frente à TV ou então na bancada, que era onde estava desempacotando sua própria comida. Mandei uma foto da comida para os outros e digitei uma mensagem para Dana trazer refrigerante pra mim.
Eu era absolutamente contra a ideia de comer sem um copo de Pepsi ao meu lado. Eu morreria antes dos 30, mas meu refrigerante era sagrado.
– Eu não gosto de comida japonesa. – fez careta para a comida no barco.
– Você não sabe o que está perdendo.
Joguei-me no sofá, sentindo minhas costas estralarem ao deitar, após passar horas sentada, tanto estudando quanto beijando o rapaz ao meu lado. Respondi Jack, que mandou a gente não comer enquanto não chegassem.
Também aproveitei para responder a mensagem de “boa noite” da minha mãe. sentou ao meu lado e eu joguei minhas pernas em cima das dele.
– Não vamos comer ainda? – Ele perguntou, se inclinando sobre mim e fazendo meu corpo ficar todo em alerta.
– Não. Jack pediu para esperar, mas se você quiser comer logo… – Bloqueei meu celular e o coloquei no chão. Não consegui ficar séria com o duplo sentido em minha frase, mas nem parecia ter notado, hipnotizado, com os olhos atentos em meus lábios.
– Tudo bem. É só você me distrair da fome.
Ele já estava quase deitado ao meu lado, se apoiando no cotovelo e brincando com a barra da minha camisa com sua outra mão. Eu nem quis pensar em alguma gracinha para falar, apenas puxei seu rosto para perto do meu e o beijei. Ele voltou a acariciar minha cintura por debaixo da blusa e eu já estava entregue facilmente.
O jeito como meu corpo respondia ao dele, que eu me arrepiava e como meu coração batia mais rápido quando estava ao seu lado me deixou curiosa. Eu não costumava sentir essas coisas por algum caso qualquer. Nem com qualquer outro caso sério que tenha tido na vida, exceto Haniel.
Mas Haniel era exceção de tudo na minha vida.
Dei uma tapinha no ombro dele quando ouvi o barulho da chave. Ele imediatamente se levantou, voltando a ficar sentado e eu continuei deitada, fingindo não estar com as pernas trêmulas e um calor intenso no meu ventre.
– Ah não, gente! Nós vamos comer aí. – Dana debochou quando nos viu no sofá.
– Estão vestidos? Podemos olhar? – Jack entrou, com a mão sobre os olhos.
– Eu nem cubro os olhos, quero mais é ver alguma coisa, mesmo. – Cam colocou as sacolas em cima do balcão, nos olhando fixamente.
Revirei os olhos, ignorando suas piadinhas e sentei no chão, pegando meus hashis e me preparando pra começar a comer. Estava morrendo de fome e não ia ficar esperando a boa vontade deles. Logo todos fizeram o mesmo e nos sentamos no chão em volta da mesa de centro, comendo como se não houvesse amanhã.
O filme na TV foi completamente ignorado por nós. Contamos sobre o nosso dia e percebi que minha vida comparada a deles era um completo tédio. Então, enquanto falavam sobre tudo o que estava acontecendo nas suas vidinhas perfeitas, apenas fiquei quietinha, comendo meu temaki. Era melhor do que ter que contar sobre meu belo dia de leitura de relatórios que não eram meus.
Percebi que , que estava sentado entre Dana e eu, ficou um tempo olhando para o ombro desnudo dela, provavelmente analisando a cicatriz vertical que tinha ali. Quando Dizzy percebeu, analisou o rosto dele por um tempo até ele perceber que ela também o analisava. Seus olhos encontraram-se e desviou o olhar, com suas bochechas adquirindo uma coloração rosada. Dei um sorrisinho de lado, balançando a cabeça negativamente.
Quando tinha 10 anos, havia um terreno baldio ao lado da casa da minha vó. Era cheio de mato e tinham dois porcos grandes de cor preta. Um dia, jogando travinha na rua durante a noite com os meus amigos, a bola caiu no fundo do terreno. Nós fizemos uma aposta para decidir quem ia pegar a bola e eu acabei perdendo e tive que ir. De noite, os porcos tornavam-se quase invisíveis e até eu conseguir chegar lá, o sentimento de que ia bater de frente com algo era forte e eu sentia um nervosismo gigante. Sabia o que tinha ali, mas não o quanto poderia me atingir. Também não sabia se valia a pena passar por aquele sufoco para conseguir a bola.
Quando olhava para Dana e , eu tinha a mesma sensação. A de que estava entrando naquele terreno baldio e escuro de novo.
– Ér… Como você conseguiu essa cicatriz? – perguntou, apontando para a cicatriz no ombro de Dizzy. Jack e Cam também se inclinaram um pouco para ver melhor.
– Caí em cima de uns vidros, eu acho. Até hoje não sei muito bem. – Dana respondeu.
– Foi por minha culpa, vocês já devem imaginar. – Declarei, ainda mastigando.
– Nós fomos em protesto contra a privatização do transporte escolar da nossa antiga cidade e estava tudo bem, até os policiais decidirem…
– Covardemente. – Eu interrompi, roubando um rolinho primavera da caixinha de . Ele bateu na minha mão, tentando pegar de volta, mas eu comi antes dele conseguir.
– Covardemente descer a porrada nos estudantes. No meio da correria, eu olhei para o lado e estava jogada no chão, com um cara cinco vezes maior que ela, tentando algemá-la.
– Seria legal… Em outra ocasião. – Eu disse e Cam riu, levantando a mão. Fizemos um ‘high five’.
– Enfim. Ele começou a bater nela com o cassetete e a imobilizou de um jeito nada legal, então fui até lá, mas alguém me chutou e um policial me empurrou. Acabei caindo em um monte de coisas quebradas. Foi uma confusão! Ignorei e fui ajudar . Demorei um monte para tirar ela das mãos dos policiais e o corte só aumentou. Por isso a cicatriz grande.
– Porra, não acredito que ele te bateu! – Jack ficou indignado.
– Ela não abaixou a cabeça em momento algum, por isso ele bateu. – Explicou. – Você sabe que se eu não chamasse atenção para a situação…
– Seria pior. – Completei. Dana concordou e nós nos olhamos, lembrando daquele dia. Ela passou a mão no rosto, provavelmente espantando as memórias daquele dia.
Dana nunca tinha se importado muito com questões sociais, mas assim que a levei na primeira reunião do movimento estudantil, ela adorou e quis ir toda semana. Esse protesto foi o último que eu e Dizzy fomos juntas antes de mudarmos de cidade. Havia sido a situação mais violenta que nós já tínhamos passado juntas, e o fato de eu ter sido agredida e Dizzy sair machucada só piorou as coisas.
– Você estava ali lutando pacificamente pelos seus direitos e… Argh! – Dana nunca tinha digerido essa história muito bem. Lembro que ela chorou de raiva ao ver meus hematomas no outro dia.
– Ai. Ver você falando assim, me dá um orgulho! – Coloquei a mão no peito, fingindo limpar uma lágrima.
– Eu era uma pessoa legal e avulsa até a me mostrar o movimento estudantil e as maravilhas da militância. – Contou Dana sobre sua vida privilegiada antes de me conhecer.
– Ok. Revolucionária, média A na faculdade, uma bunda legal, engajada socialmente… – enumerou no dedo as coisas que dizia.
– , ele vai te pedir em casamento agora. Corre! – Jack gritou e todos nós rimos. Ele jogou uma bolinha de papel em , que revidou e logo começaram uma pequena luta idiota.
– Cada dia que passa eu gosto mais de você, pequena Jay. – Cam abaixou a cabeça, como se estivesse fazendo uma reverência.
– Cuidado. Ela destrói vidas. – Dizzy me lançou uma piscada. Eu ri e pisquei de volta para ela.
– E seus pais? – Jack quis saber. – Vocês eram quase crianças, eles devem ter enlouquecido.
Na época, os pais de Dana quiseram minha cabeça numa bandeja de prata, pois eu era a culpada por Dana estar enfiada numa manifestação. Os pais de Dizzy nunca foram muito a favor da filha frequentar organizações políticas ou conhecer realidades diferentes da sua. Foram tempos difíceis, mas também os mais memoráveis de nossas vidas.
– Os pais de adoram e encorajam qualquer protesto!
– Eles esperavam pela minha prisão por ativismo muito antes de eu ter sido concebida. – Brinquei com meus dedos, distraída.
Falar dos meus pais sempre me deixava mal. Saudade é uma coisa extremamente dolorida. Era bem verdade que eu nunca tive problemas familiares como os de Dizzy. Meus pais eram, acima de tudo, meus amigos. Tinham a mente jovem e eu sempre fui muito bem instruída e criada. Dana avisou que ia ao banheiro e eu levantei junto para pegar cerveja na geladeira.
Agora, eu já não era mais tão ativa socialmente. Principalmente porque na minha atual cidade não tinham muitos motivos para isso e, desde que apanhei injustamente das pessoas que deveriam estar ali para nos proteger, eu já não me sentia confortável para voltar a militância. Era até desconfortável pensar nisso. A lembrança que eu tinha daquele dia era de sufoco e agonia pura. Ainda tinha flashes do policial barbudo em cima de mim, empurrando meu rosto contra o chão. Eu ainda via o braço dele subindo e descendo, me acertando com força.
Fui puxada para longe de meus pensamentos por Dana, ao meu lado, com uma mão no meu ombro.
– Tudo bem? – Ela perguntou baixinho e eu assenti, a perguntando.
– Foi culpa minha, não foi? Você não ter ido direto para o hospital. Eu devia ter ficado quieta. Eu provoquei, você sabe…
– Não foi sua culpa! Eu não acredito que ainda pensa assim. – A voz de Dizzy subiu uma oitava e chamou atenção dos rapazes.
– Dana… – Ela me ignorou e foi em direção ao banheiro. Peguei outras quatro garrafas, sentindo o olhar dos meninos em mim. Distribui uma cerveja para cada e sentei ao lado de novamente, me encostando no sofá.
– Tudo bem? Ela está bem? – Jack perguntou, com o cenho franzido.
– Foi um dia difícil para a gente. – Às vezes, eu esquecia que Dana também era um ser humano. Um ser humano sensível e que também ficava abalada.
– E você? – passou um braço pelo meu ombro, dando um beijinho na minha cabeça.
Eu adorava o fato dele ser carinhoso comigo, mesmo que não tivéssemos nenhum tipo de relacionamento. Namorei alguns caras por meses e eles não eram carinhosos comigo do jeito que estava sendo. E era apenas a segunda vez que a gente se via.
– Me falem sobre vocês. Eu sinto que vocês sabem todos os nossos podres e piores momentos e vocês continuam aí, lindos e sem passado. – Reclamei, bebendo minha cerveja e sentando de pernas cruzadas.
continuou com o braço esquerdo sobre meu ombro, enquanto comia com a mão direita.
– A maior loucura que eu já fiz na vida foi ter matado aula para jogar videogame na casa de um amigo. – Jack contou.
– Jura? Com essa sua cara de delinquente juvenil? – Perguntei descrente, fazendo e Cam gargalharem.
– Eu também não acredito quando ele diz que era quieto. – riu, confidenciando.
– Do que estamos falando? – Dana voltou para a sala e sentou no chão, na ponta da mesa.
– Jack ser quieto na época de escola. – esclareceu o assunto para Dizzy.
– Aí uma coisa que eu não acredito. – Dana gargalhou, acariciando os cabelos de Jack.
– Gente, qual a dificuldade de acreditar? – Ele rolou os olhos, jogando os hashis para o alto e apanhando-os logo em seguida.
– Quando conhecer sua mãe, eu vou acreditar em você, bro. – Cam passou a mão pelo cabelo cacheado de Jack, também.
– E você, big boy?
Olhei para e sorri surpresa ao ver que ele já me olhava antes mesmo de eu começar a falar. Ele sorriu de volta, lindamente.
– Eu pesava 30 quilos, usava aparelho e não tirava nota maior que C. Não era quieto, mas também não era um pesadelo do tipo que Jack seria. – Relatou.
– Ei! – Jack reclamou. – Eu juro que era quieto. Passei meu baile de formatura inteiro na biblioteca da escola.
– Eu nem sequer fui ao meu baile! – Cam exclamou.
– Eu só peguei meu diploma e fui embora para festa na casa de praia da Milan, a garota mais cheia de plásticas e dinheiro que já conheci. – contou.
– Alguém perdeu meu diploma. Peguei três semanas depois. – Cam reclamou, revirando os olhos.
– Na nossa formatura, enquanto todos estavam sensíveis, chorando enquanto pegavam seus diplomas, a gente estava onde mesmo? – Dana apontou para mim, rindo alto.
– Na sala dos professores tomando Chandon. – Eu quase gritei de tão animada por lembrar de um dos melhores dias da minha vida. Eu e Dana batemos nossas mãos, fazendo um high five.
Eu e Dana nos afastamos para fofocar sobre alguma coisa que eu não lembro, mas quando passamos pela sala dos professores e vimos a mesa recheada de comida com três garrafas de Chandon, não pensamos duas vezes antes de entrar lá, roubar uma garrafa e uns salgadinhos.
– Fala sério! – Jack exclamou. – Que saco! A vida de vocês parece uma porra de uma sitcom.
– Nós também não acreditamos nos absurdos que acontecem com a gente…
(17:48): Oi. Onde você tá?
E lá se vai todo o meu foco. “Faculdade“. Respondi, simplesmente. Eu definitivamente não curto isso de ficar nervosa mesmo que ele não estivesse presente.
(17:48): Muito ocupada?
“Só revisando algumas matérias.”
(17:49): Vai fazer o que depois? Queria te ver hoje…
A pergunta que eu estava esperando finalmente surgiu e acabei suspirando profundo demais, atraindo a atenção de Bela.
– Também não aguenta mais? Vamos parar por hoje? – Ela nem esperou minha resposta, já começou a fechar os livros e guardar suas coisas dentro da bolsa. – Vou devolver os livros.
– Leva os meus também, por favor? – Empurrei os livros na direção dela, vendo-a fazer um malabarismo para equilibrar os livros em seus braços finos. Meu celular vibrou novamente em minha mão.
(17:50): Posso?
“Você tirou minha concentração e da minha parceira de estudos também
Ou seja
Estou te esperando”
(17:50): Hahahaha não vou pedir desculpas por isso
Chego em 10 minutos!
Sorri com sua resposta bem humorada, guardando meus materiais dentro da bolsa. Assim que Bela voltou, fomos ao banheiro comentando sobre os assuntos que tínhamos estudado.
– Você está segura para a prova? – perguntei. Queria falar sobre qualquer outra coisa que tirasse minha atenção de . Eu já sentia meu coração bater descompassadamente só de pensar em vê-lo.
– Sim, depois que eu chegar em casa vou dar uma lida em uma coisa ou duas, mas estou bem e você? – Saí do box, indo lavar minha mãos.
Ela passava pó compacto no rosto, encarando-se no espelho manchado do lugar. Bela era irritantemente magra, tinha cabelos cacheados e tingidos de roxo, além de sempre estar maquiada e usando coturno. Era extremamente simpática e uma daquelas pessoas que chamavam atenção simplesmente por ser o que eram.
– Provavelmente vou fazer o mesmo. – Olhei para a pequena nécessaire de Bela, lotada de produtos de maquiagem, e me chequei no espelho. – Me empresta o rímel? O que geralmente fica na minha bolsa acabou.
– Procura aí. – Ela empurrou a bolsinha para mim com uma mão e com a outra continuou fazendo aqueles delineados dignos de tutoriais do youtube.
Coisa que parecia impossível para mim, mas ela fazia com apenas uma mão enquanto conversava comigo. Eu adorava assistir esses tutoriais na internet, mas se fosse tentar fazer algo provavelmente andaria igual uma palhaça na rua. Passei algumas camadas de rímel e um batom matte cor de pele, em um tom mais queimado que eu costumava usar no dia a dia. Nem me atrevi a tirar o cabelo do rabo de cavalo alto que usava, não estava de todo mal assim.
– Essa produção toda é para alguém? – Bela perguntou, com um sorrisinho irritante no rosto.
– Vou sair com um carinha, aí. – Devolvi o rímel e joguei meu batom dentro da bolsa. Não que houve muita coisa, mas não queria ter que explicar minha relação com .
– E você e o Mac? Ainda fingindo que esse negócio de amizade colorida dá certo? – Tentei ignorar a ansiedade que só aumentava, puxando outro assunto.
– Hoje nós vamos no jantar de aniversário da irmã dele – contou, mordendo o lábio inferior.
– Uh, vai conhecer a família? – provoquei.
Fomos andando em direção à saída do campus. Cumprimentei algumas pessoas pelo caminho, estranhando a grande quantidade de pessoas da minha turma por ali. Acho que eu e Bela não éramos as únicas inseguras com a prova, afinal.
– Como amigos, é claro. A irmã dele é bem legal, então imagino que toda a família deve ser. – Supôs.
– Prepare-se para voltar de lá apaixonada por ele.
Chegamos ao portão principal e dei uma olhada em volta. Aparentemente ainda não estava por ali. Tinham alguns grupos de estudantes por ali, mas não estava cheio. O horário em que aquilo lotava era depois das 19h quando todas as turmas já haviam sido liberadas.
– Está maluca? Como assim?
– Você vai ver ele com a família, sendo amável, todos vão chamar vocês de namorados, provavelmente vão ter um momento romântico no fim da noite e na próxima vez que se beijarem as coisas já vão estar diferentes. – Expliquei com toda a minha experiência em histórias de amor. Bela pareceu chocada por uns segundos e depois revirou os olhos.
– Você é maluca, ! Anda vendo muito filme de comédia romântica.
– Se você quiser apostar… – sugeri.
Eu já tinha acertado tantas vezes as minhas previsões que depois da quinta vez decidi começar a lucrar com elas. Eu não tinha uma história bonitinha, mas pelo menos ganhava dinheiro com isso.
– Vou ignorar isso apenas para dizer que acabou de descer de um táxi aqui na frente. O que será que ele veio fazer por aqui? – indagou, olhando para trás de mim com ar curioso.
– ? Você o conhece?
Vasculhei o local com os olhos, procurando por ele que estava parado na porta, parecendo fazer o mesmo. Incrivelmente, senti todo o nervosismo sumir assim que o vi.
estava lindo com sua jaqueta de couro marrom por cima da camisa cinza e a calça jeans preta. Queria gritar na cara de todas as meninas que estavam suspirando por ele que eu já tinha beijado aqueles lábios e que aquele olhar atento procurava por mim.
– Quem não conhece? Esse cara é um absurdo de lindo! – Bela me fez rir com seu comentário, mas eu super a entendia.
– É, eu concordo. Tenho que ir – falei, rapidamente arrumando a bolsa no ombro e agarrando minha pasta contra o peito.
– O quê? Já? – Bela refutou, me olhando confusa.
– É meu carinha – expliquei me afastando e saindo do lado dela, entrando no campo de visão de , que guardou o celular e me lançou um sorriso de menino que balançava o meu coração.
Ouvi Bela gritar um “me liga mais tarde”, meio alterada com minha revelação e ri balançando a cabeça negativamente. Ainda não havia decidido se me sentia lisonjeada ou magoada com a surpresa das pessoas ao descobrir minhas histórias com . Senti como se todos a nossa volta estivessem olhando e acho que estavam mesmo.
– Quando vai tomar vergonha na cara e comprar um carro? – Brinquei quando parei em sua frente.
– Quando eu sentir necessidade – ele respondeu, dando de ombros.
Fiquei em dúvida sobre como cumprimentar, mas como sempre foi mais rápido. Ele beijou meu rosto, mas logo se afastou. Peguei a chave do carro e o guiei até o estacionamento.
– Você quer sair para fazer alguma coisa? – Ele tirou a bolsa do meu ombro e pegou a pasta dos meus braços. Agradeci por seu cavalheirismo.
– Quero, mas você escolhe o lugar – sugeri, porque se dependesse de mim acabaríamos sem nunca decidir aonde iríamos.
– Tudo bem. Quer que eu dirija? – Ele se ofereceu quando me viu indo para o lado do motorista. Ergui uma sobrancelha com a nova informação, achava que era uma daquelas pessoas que nunca aprendera a dirigir e sobrevivia de táxi e caronas porque nem imaginava-o dentro de um ônibus.
– Então você dirige e só não quer ter um carro. – Cruzei os braços, semicerrando os olhos em sua direção. – Me parece preguiça.
– Se chama economia! – replicou e eu gargalhei.
– Você fica cada dia mais rico, . – Joguei as chaves do carro para ele enquanto trocávamos de posição pelo lado de fora do carro. Entramos no carro e joguei minha pasta no banco de trás, deixando minha bolsa nas pernas. – Admita sua preguiça.
– Admitir? Jamais. Eu cuido de meio ambiente! – Ele se inclinou e me deu um selinho rápido enquanto eu sorria por conta de sua resposta deslavada. – Posso te levar pra qualquer lugar?
Perguntou, fazendo a baliza quase perfeitamente. Eu não conseguia desviar o olhar dele, tinha uma tara enorme em ver homens dirigindo, porque até o cara menos viril do mundo conseguia parecer gostoso enquanto dirigia. Ou não, mas em minha cabeça funcionava assim.
– Depende. Quais são suas intenções para o dia de hoje comigo? – questionei, sinalizando a saída para ele.
– Comer, oras! – Deu de ombros e eu arregalei meus olhos, surpresa com sua sinceridade. O tom de voz que ele usava não me deixava identificar nem um tipo de brincadeira em sua voz. conseguia ser misterioso e transparente ao mesmo tempo. Virei meu corpo inteiro para encará-lo, tentando ver em seu rosto se ele falava sério ou se eu tinha uma mente muito suja. Olhou-me com um sorriso zombeteiro, rindo quase com deboche. – Eu estava pensando naqueles food trucks que tem na beira do rio, sabe? Mas se você tiver outra coisa em mente…
– Você é um idiota! – Resmunguei dando um beliscão de leve em seu braço, fazendo-o gargalhar com minha breve revolta. Tentei desviar o olhar do seu e sintonizar em alguma rádio boa.
perguntou como foi meu dia e logo comecei a reclamar do jornal e de como estava cansada de ter que trabalhar lá. Ele me contou das cidades que visitou nos últimos dias e sobre os lugares nos quais tinha cantado. Perguntei se já era famoso e ele apenas riu. Eu adorava que não era um falso modesto, realmente era simples e tranquilo demais. Geralmente se espera o contrário de um cantor em ascensão, costumam ser esnobes, arrogantes e nem tão talentosos assim. Esse talvez fosse o diferencial de e fosse por isso que ele crescia e se tornava melhor e mais conhecido a cada dia.
Chegamos no Takeo, uma área ampla e aberta que ficava nas margens do lago de mesmo nome, quase inteiramente rodeada por food trucks e várias mesas espalhadas pelo centro, um dos pontos mais frequentados da cidade. Ao fundo as águas do rio calmo refletiam as luzes dos carros que passavam na rodovia do outro lado e um sol tímido que já ia embora. Um píer longo e largo ia até o meio do lago, de onde saíam alguns pedalinhos.
e eu fomos andando pelos caminhões até decidirmos o que comer, que parecia ser uma tarefa impossível. Eu queria comer um pouco de tudo e partilhava do meu pensamento e a gente só não sabia por onde começar. Observei nosso reflexo em um caminhão espelhado enquanto ele lia o cardápio de comida japonesa.
Eu e tínhamos uma diferença de altura significativa e isso era engraçado. Ele era provavelmente o cara mais alto com quem eu já havia saído e o mais bonito também. O fato de estar andando com minha bolsa vermelha de modo transversal no corpo só tornava tudo ainda mais engraçado. era educado e cavalheiro sem parecer forçado. Acredito que fora criado assim e achava que isso era o que mais me encantava nele.
Tudo bem, eu ainda estava meio indecisa sobre o que eu mais gostava nele.
– Vamos de tacos. – Ele sugeriu enquanto a gente andava pelo local pela terceira vez, ainda indecisos.
– Não, eu queria provar aqueles mini hambúrgueres! – Retruquei, apontando para o caminhão que ficava do outro lado do local.
– Mas isso não enche! – Ele reclamou.
– E desde quando tacos enchem? – Retruquei.
Acabamos comprando beirutes. , por pura implicância, comprou os malditos tacos e então eu comprei meus mini hambúrgueres. Nos sentamos na mesa mais próxima do início do píer. Por ser uma quarta feira, o local não estava lotado como eu ouvi dizer que ficava aos fins de semana.
– Você é impossível! – Reclamou, dando uma mordida no seu taco.
– Prova um pedaço e diz que não é um presente dos deuses – Desafiei-o, colocando um mini hambúrguer na boca dele. Esperei enquanto ele mastigava, resmugando de boca cheia. – Então…?
– Odeio você. – Revirou os olhos e eu ri com sua negação.
– É uma delícia, não é?
– Cala a boca e come logo. – Ele reclamou, empurrando o beirute em minha direção, me fazendo rir mais ainda.
O céu já estava totalmente escuro quando notei que não sabia que horas eram exatamente, visto que nem olhara meu celular pelas últimas horas. O fluxo de carros do outro lado do rio já tinha diminuído bastante então eu presumi que já tinha se passado algum tempo desde o horário de pico. A conversa com era tão fácil e espontânea que até esqueci do mundo ao nosso redor. Contou-me sobre sua família, os pais separados e também sobre sua relação próxima com a irmã caçula.
Quando percebi já havia relatado minhas dúvidas em relação a faculdade, coisa que ainda nem tinha comentado com Dana. Ele foi compreensivo e realmente prestava atenção ao que eu falava, não me disse o que fazer e apenas deixou claro que eu deveria tomar uma decisão logo. Também disse que se eu precisasse de qualquer coisa ele estaria ali. Derreti um pouco, mas a gente ignora essa parte. Eu e levantamos da mesa depois de horas de conversa e fui comprar um milk-shake de morango, que acabamos dividindo. Em seguida fomos andando pelo píer, comentando sobre a cidade.
– O que tem para lá? – perguntei apoiando-me no parapeito, olhando para o lago iluminado pelas luzes do centro e seguindo até uma parte escura.
– Vai para a reserva ambiental – respondeu, inclinando-se por trás de mim para sugar o milk-shake que estava em minha mão.
– Aqui é bonito – comentei sentindo o corpo dele encostar-se ao meu.
– É, você precisa ver no inverno… É a primeira vez que te vejo de jeans – comentou cutucando meu quadril com um dedo para depois beijar meu ombro.
Mais uma vez me arrependi de não ter trocado de roupa, estava usando uma calça jeans azul skinny com uma camisa social branca e um cropped por baixo e sapatilhas. era um guerreiro por me querer mesmo nunca tendo me visto arrumada de verdade.
– É? – Virei de frente para ele, que apoiou os braços atrás de mim, deixando-me presa entre seu corpo e o parapeito da ponte.
– Sua bunda fica incrível. – Mais um beijo no pescoço, agora subindo pelo meu rosto.
– É? – Repeti, já desorientada.
– Você devia usar mais jeans. – Sugeriu, descendo as mãos para meus quadris e prensando-me mais contra a madeira da ponte.
– Eu uso, é você que não vê. – Informei. Pensando bem, em todas as vezes que havia me visto eu estava usando vestidos ou shorts de tecido. Sabia que minhas pernas ficavam incríveis quando usava jeans.
– Eu devia ver você mais vezes, então. – Encostou os lábios nos meus levemente e depois afastou-se. Analisou meu rosto por um tempo enquanto eu pensava no que dizer.
Por algum motivo, a história do terreno baldio veio em minha mente novamente.
– Nós nos vemos bastante, . – Assegurei, passando a mão pelo seu cabelo.
– Ainda não é o suficiente pra mim.
E beijou-me suavemente, sem pressa, como se tivéssemos todo o tempo do mundo. Pousei uma mão no seu quadril, pois a outra ainda segurava o copo, e agradeço a mim mesma por ter comprado aquele milk-shake. Ele ainda estava com a língua e os lábios gelados por conta do último gole que deu, então quando sugava meu lábio inferior, parecia o paraíso.
Meu celular começou a tocar na bolsa e não pareceu se importar. Sem quebrar o beijo, abri a bolsa – que ele ainda usava – e tirei meu celular. Afastei-me dele ouvindo um resmungo e atendi sem olhar na tela de identificação. Ele pegou o copo da minha mão e foi levar até o lixo, me deixando parada ali, apoiada na ponte devido as pernas trêmulas.
– ? Onde você está? – Era Dana. A garota não me ligava ou mandava mensagem desde cedo, sendo aquela ligação a primeira vez que eu falava com ela no dia.
– Estou no Takeo, aquele lugar que a gente queria conhecer, lembra? – Expliquei.
– Sozinha? Poxa, você nem me esperou! – Reclamou.
– Estou com . – Informei, insegura se devia ter contado ou não.
– ? – Mais uma vez, a surpresa. Confirmei. – Tipo, um encontro? – Me assustei com a dúvida e a reação de Dizzy. Achei que ela gritaria do mesmo jeito que Bela, no mínimo.
– Eu não sei, na verdade. – Respondi, mordendo os lábios e observando o rapaz voltar para perto de mim, me questionando mais uma vez que tipo de relacionamento esperava ter. Ou se queria um relacionamento, já que não tinha tanta certeza se estava disposta a ter um.
– Ok, me conta tudo depois. – Ela tentou parecer empolgada, mas eu conhecia Dana bem demais para saber que ela só não queria me deixar chateada com sua falta de interesse. – Escuta, não vou dormir em casa hoje. Vou para casa da Vi e provavelmente vou ficar por lá.
– Dana, no meio da semana?! – Reclamei, resmungando.
Eu não suportava dormir sozinha no apartamento. Aos finais de semana, se Dana não passasse em casa eu daria um jeito de sair também, mas numa quarta feira ficava complicado e eu também não gostava muito da ideia de Dana farreando no meio da semana. Dizzy era um pouco dispersa e podia tornar-se até um pouco irresponsável se não tivesse alguém para mantê-la na linha. puxou-me pela mão e fomos andando em direção ao fim do píer. Senti a adolescente pulando dentro de mim.
– Eu sei, desculpa. – Dizzy lamentou e imaginei-a fazendo seu bico característico.
– Tudo bem, Dizzy. Se cuida e qualquer coisa me liga. – Dana desligou sem falar mais nada e eu estranhei. Encarei a tela do celular mostrando que a ligação havia sido encerrada e continuei olhando durante alguns segundos para ter certeza que ela e não eu havia desligado ou que a ligação tinha caído.
– O que foi? – perguntou.
– Dana não vai dormir em casa hoje. – Contei, guardando o celular na bolsa presa ao garoto.
– Ah! – Percebi suas bochechas ficando cada vez mais coradas a cada segundo em que seu pensamento se formava. Ele esperava que eu não visse seu rosto na escuridão do final do píer e eu esperava que ele não visse meu sorriso encantado. – Quer ficar lá em casa?
Entendi seu acanho quando emitiu a frase lotada de segundas, terceiras e quartas intenções. Fiquei imediatamente em alerta. Eu sou mulher que vai para casa com o cara no primeiro encontro?
Sou mesmo, ainda bem!
Junho.
Hillswood* é uma cidade de 200.000 habitantes conhecida por ser uma cidade universitária, ter um clima ameno e suas paisagens simples. Encarei a cidade imposta a minha frente pela janela da minha sala. Cheia de elevados, o sol de 17h se perdia entre os prédios e as luzes dos carros. O céu azulado e sem nuvens de junho me fazia sorrir mesmo com o calor suportável de 30º que fazia.
Era sexta-feira, o horário de pico se aproximava e pelo fato de meu apartamento ser afastado do centro eu conseguia vê-lo da minha janela. Gostava de ver os carros vindo de todas as direções e se aglomerando na avenida principal, o que mais tarde causaria um enorme congestionamento. As minhas aulas acabaram mais cedo, o que me livrou de estar nesse mesmo congestionamento. Eu passaria horas olhando a paisagem, apenas pensando. Gostava de criar histórias sobre as vidas das pessoas dentro daqueles carros, de onde vinham e para onde iam, coisa de gente meio distraída, que não tem muito que fazer.
Sorri de leve ao ver os carros se amontoando aos poucos, concretizando minhas previsões. A mobilidade social da cidade era algo que realmente deveria ser melhorado. Eu não os culpo pelas barbeiragens e atrocidades que cometiam no trânsito na ânsia de chegar logo ao seu destino. Era sexta-feira, afinal. Todo mundo estava ansioso para sair, encontrar alguém ou simplesmente ir para casa e dormir.
Por falar em curtir o fim de semana, Dana e Cam foram convidados para uma festa em um hotel no litoral de uma agência publicitária que estava de olho nos dois para algum novo trabalho. Claro que eles não perderiam a oportunidade de passar o final de semana em um hotel chique enquanto comiam canapés a beira da praia e isso só nos rendeu umas boas piadas sobre eles estarem transando escondido do resto de nós. Até nos convidaram, mas todos estavam ocupados demais para viajar. Eles voltariam para casa apenas na terça da outra semana e para mim isso significaria três dias de aula perdido. Eu estava bastante ocupada com a faculdade naqueles dias, mas também estava bem animada porque esse passe livre para ter a casa só para mim, renderia quatro dias de sexo da melhor qualidade com .
E nós já tínhamos começado.
Eu estava apenas de calcinha, mas ainda parecia que o diabo estava soprando em meu rosto, estava com fome, calor e preguiça. Tendo isso como motivação, fui até minha geladeira à procura de algo fácil e rápido de cozinhar no meio de toda a comida que Dana tinha estocado para mim. Eu gostava de cozinhar e era até boa nisso, mas só me via na obrigação de ir para a cozinha quando tinha que fazer comida para Dana também.
Portanto, quando ela não estava presente eu sobrevivia de comidas instantâneas e congelados. Achei uma caixa de lasanha à bolonhesa e coloquei-a no micro-ondas. Não era a minha preferência, mas era o que tinha. Deitei-me de bruços no sofá, esperando dar tempo da lasanha ficar bem aquecida.
Peguei meu celular, checando as últimas mensagens e me deparei com uma foto que Cam e Dizzy mandaram e que me fez rir. Ambos estavam com poses pomposas e de nariz empinado, bebiam champanhe numa piscina e a praia ao fundo deixou a foto, que deveria ter sido uma piada, realmente bonita. Eu até senti inveja, mas o sentimento durou três segundos apenas porque entrou na sala naquele instante. Com os cabelos bagunçados, bocejando e se espreguiçando, usando uma boxer vermelha que se destacava em seu corpo.
andando de cueca confortavelmente pela minha cozinha era definitivamente melhor que champanhe à beira da praia.
Uma mensagem de Jack tirou minha atenção do cara bonito abrindo minha geladeira. Comentou nas mensagens que faria um show no Domingo e ele preferia ir ao show do amigo do que ir à praia. Depois ele se desmentiu falando que preferia a praia mesmo, já que de todos nós ele era o que ia a quase todos os shows de . Seu comentário me fez perceber algo.
– ? – Ele respondeu com um murmúrio. – Eu nunca fui a um show seu.
– E daí? – Ele abriu o micro-ondas e tirou minha lasanha de lá, jogando em cima do balcão e olhando para os próprios dedos depois, provavelmente queimados.
– E daí que eu quero.
– Sério? – Ele pareceu nem acreditar, fazendo uma careta em seguida.
Eu já conhecia à quase quatro meses e o máximo que ouvia de sua voz era quando ele cantava no chuveiro e um vídeo de seis segundos no Instagram.
– Claro que sim, por que a surpresa? – questionei, sem entender seu espanto.
– Eu só achei que… – Titubeou, parecendo indeciso sobre o que falar, mas balançou a cabeça como se estivesse espantando as ideias. – Eu levo você no show de Domingo. Tudo bem? – Ele veio até mim e eu assenti sorrindo.
Senti meu corpo arrepiar-se completa e instantaneamente quando ele parou ao meu lado no sofá e seus olhos passearam pelo meu corpo estirado no sofá. Sentia-me ainda mais nua, se fosse possível.
– Algum problema? – perguntei e ergui uma sobrancelha ao perceber que seus olhos indecentes ainda percorriam meu corpo, totalmente sem vergonha de observar cada pedaço de pele exposto.
Sorriu travesso, quase beirando a lasciva e pegou-me de surpresa quando soltou um tapa em minha nádega direita. Meu corpo balanceou no sofá com o impacto da palma da sua mão e foi como se meu corpo tivesse entrado em chamas imediatamente. “Apressado!”, exclamei ao sentir suas mãos puxando as laterais da minha calcinha.
– Não vai nem me dar um beijinho? – Mesmo contrariada, levantei meu quadril para ajudá-lo no ato.
– Acordei sozinho e excitado. Não acho que você esteja merecendo beijinhos. – anunciou, intransigente.
– Eu só vim comer, baby. – Mordi os lábios quando senti seus beijos irem do início ao fim de minhas costas e tive que segurar-me para não arfar alto demais com o toque mínimo.
– Eu também vim comer, baby.
Depois de uma longa e torturante trilha de beijos pelas minhas costas, seus lábios (finalmente!) desceram até o meio das minhas pernas, fazendo-me jogar o celular em qualquer canto. Senti todo e qualquer vestígio da fome e preguiça sumirem, ficando apenas o calor.
Muito calor.